quarta-feira, novembro 04, 2009
I remember when rock was young e eu e a Suzie nos ríamos à brava
Todos temos um talento na vida. Todos.
Há quem faca um excelente arroz de cabidela, um belíssimo tapete de Arraiolos ou o pino num só braco.
Conheco quem tenha talento para fazer caipirinhas, para meter conversa numa paragem de autocarro ou para trazer pregos do AKI nos bolsos.
Já vi talento com as mãos, com os pés (aquele velhote da Costa da Caparica que já tinha pés de pato de tantos toques dar na bola em frente ao Barbas) e com a cabeca.
Todos sabemos fazer algo melhor do que ninguém.
Todos temos um dom.
O meu é apanhar multas. Sou muito bom nisso. Se um campeonato existisse, nem com ajuda dos árbitros me derrubariam.
Tenho 19 anos de experiência e já apanhei multas em todos os veículos que conduzi com excepcão para os meus ténis.
A minha primeira vez foi, como se espera de qualquer primeira vez, inesquecível.
(olho para cima e uma nuvem de fumo aparece)
Corria o ano de mil nove e noventa e um. Rondava eu os meus treze anos e pedalava valentemente os 12Km (acho eu...) que separavam a Amora da Fonte da Telha. A estrada no meio do pinhal levava-nos a deslizar entre vivendas com bom aspecto, algumas pelo menos. A meio do caminho aparecia sempre aquele muro altíssimo que diziam tapar a vivenda do Julio Isidro. Por alguma razão que agora não me ocorre era sempre o ponto alto do caminho…passar pela vivenda do Isidro. Escusado será dizer que nunca soube se ele de facto lá morava. Alguém atirou para o ar e assim ficou. Antes do wikipedia era assim que a coisa funcionava. Alguém disparava e os outros acreditavam. Era tempos belos e não havia lugar para dúvidas. Neste balanco, numa estrada com pouco trânsito passamos por um carro da polícia estacionado junto a um café. Um dos polícias abastecia-se de tinto da casa e o outro, inspirava cá fora o ar dos pinheiros enquanto cortava as unhas.
Mandou-me parar. Investigou a minha bicicleta e decidiu passar-me uma multa. A "máquina" não tinha matrícula e eu deslocava-me numa estrada nacional.
Pois bem. Ficou o baptismo feito para os anos de glória que se seguiram.
Da bicicleta passei para a mota onde apanhei diversas multas. Falta de reflectores, sinais vermelhos, etc. O passo seguinte foi o carro. Sinto que foi nesta fase que realmente abri o livro do meu talento. Apanhei todo o tipo de multas que se pode imaginar. Emel, tracos contínuos, velocidade, sinais vermelhos, de tudo um pouco. Até numa bomba de gasolina fui abordado por um polícia no sentido de lhe dar algum para ele esquecer o sinal roxo que tinha acabado de passar (em minha defesa o sol contra que não me deixou ver!). Curiosamente, a única vez que a sorte me protegeu foi no querido Alentejo onde um polícia camarada, ao ver a minha cara de desesperado, perdoou uma multa de 100 contos. Não tinha seguro nem inspeccão mas tinha ali um amigo para a vida.
Quando cheguei à Suécia, ainda não tinha desempacotado as meias e já tinha um papel no vidro da frente. Foi da maneira que aprendi a ler os sinais mais depressa. Mas não deixei os meus créditos por mãos alheias mesmo assim. Nestes 3 anos já tive uma multa de velocidade (nuns estoneantes 90 km/h) e variadíssimas multas de estacionamento. Tenho também muita sorte nestas coisas. No meu primeiro inverno na Suécia, tal como se estivesse em Lisboa, tinha por hábito puxar o travão de mão ao estacionar. Em sítios com gelo não é uma ideia brilhante porque pode bloquear o carro. Pois…já sei que vocês todos sabiam. Eu não. Daí que bloqueei o meu próprio carro sem querer e consegui fazê-lo nas únicas 3 horas da semana em que estar ali estacionado era proibido. Escusado será dizer que quando voltei ao carro tinha um papelinho de souvenir. Também já consegui ser multado a 2 minutos de o lugar onde estava estacionado passar a grátis.
É tudo natural. Talento e karma. Já nasci assim.
Estou convencido que se algum dia pilotar um tanque de guerra no monte Sinai ou um airbus nos céus do Botswana, serei mandado parar para um chit chat seguido da respectiva coima porque levantei muita areia com as lagartas ou porque não fiz pisca no Zimbabwe.
Estava confiante que já tinha experimentado todas as variantes do "vou ter que o autuar".
Mas não. Parece que não.
Estacionar o carro, tirar o bilhete no parquímetro e ser multado durante a validade desse mesmo bilhete era uma modalidade que ainda não tinha experimentado.
Mas é bem gira diga-se. Recomendo.
O que dizer?
Tinha dois bilhetes no tablier. Um ultrapassado e outro válido. Só dois. Num tablier vazio e limpinho. O senhor da EMEL local, mesmo admitindo que não fosse um Einstein, teria todas as condicões para executar a difícil tarefa de olhar para dois bilhetinhos que distavam 10 cm entre si. A não ser que a EMEL de Gotemburgo tenha contratado cegos que andam a verificar carros com ajuda de cães, não percebo como é que consegui levar a multa. Talvez seja o cão a a ler.
Enfim…soltei uma panóplia de versos de Camões muito recitados no Cais do Sodré e liguei para o número que estava na multa. Passei por 74 máquinas com gravacões (não há servico público na Suécia que seja atendido por um ser vivo) até que cheguei a uma senhora que não tinha nada a ver com aquilo. Perguntei "como é que posso falar com a polícia de trânsito?"
"Por carta", diz ela.
"Carta?? Mas não há um telefone na Suécia para a polícia??"
"Não. A Polícia não tem servico telefónico. O único número para a polícia é o 11414 que o liga para a estacão de Kiruna", conclui ela.
Ora…Kiruna está tão perto de Gotemburgo como Roma, mas ainda assim liguei.
Do outro lado ouvi: "Primeiro paga, depois faz uma exposicão por carta e se tiver razão devolvemos o dinheiro".
Ou seja, primeiro passo para lá 50 ginginhas do Rossio e depois logo se vê...
"E se não pagar?", perguntei.
"Se não pagar vai receber mais multas e o custo vai triplicar porque a resposta da polícia pode demorar dois meses"
Mais alguns versos dos Lusíadas e desliguei o telefone.
Esta é nova. Mas gira, bem gira.
Todo contente, depois de ser gamado à luz do dia por gajos de farda, paguei a multa e fiz a exposicão por carta. Mandei a cópia do bilhete válido e a cópia da multa passada durante esse período. Tudo me parecia claro e imaculado como água benta. De tão caricata que era a situacão imaginei que a coisa andasse rápido.
E então?
Já responderam?
Não diria que sim.
E o dinheiro? Já devolveram?
Huumm...nem por isso.
Então e eu? Fico assim para o aborrecido? (há leitores menores de 18, exige-se aqui alguma contencão)
Fico assim...vááá...para o lixado. Mas é leve. Coisa leve.
Não é para quem quer meus amigos, é para quem pode.
Com três sílabas apenas se escreve a palavra "talento".
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3 comentários:
Desculpa, mas não consegui deixar de rir. Realmente tem que ser um talento! São vezes a mais.
Só fui multada uma única vez e da mesma forma. Chego ao carro às 7h50 quando só se começa a pagar apartir das 8h e lá estava o papelito a dizer 08h02, no meu e em todos os outros!
:)
Gosto tanto do seu blogue.
Isso é que é, pensava que essas coisas só aconteciam em Portugal, afinal enganei-me.
Pois essa estrada que liga Belverde à Fonte da Telha, agora tem como limite de velocidade 50 Km/hora, em Belverde ainda se justifica, mas mais para cima é uma estrada sem vivendas, sem paragens de autocarro, sem pessoas a pé, mas a multa é mesmo a doer.
Que engraçado, desde que comecei nesta aventura dos blogues, gostei e identifiquei-me logo com o seu, mal sabia eu que se calhar fomos vizinhos, nasci e moro na freguesia da Amora, o mundo é mesmo pequeno.
Não era só a "casa do Júlio Isidro", era a do Raúl Solnado e dos Da Vinci,lembra-se?
Acho o seu filho parecido consigo.
Um abraço.
Helena
Helena,
mto obrigado pela simpatia das palavras :)
Cumps
TF
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