quarta-feira, abril 29, 2015

Regresso a Portugal. Não, estava só a brincar avó...


Não tenho por hábito debrucar-me muito sobre as encruzilhadas do quotidiano e debater as filosofias que Buda, Ghandi e as frases do Jorge Amado trazem à vida. Falta-me tempo, paciência e jeito.
A excepcão à regra acontece no fim de cada entrevista de trabalho. Como mudo de projecto (nem sempre de empregador) todos os anos ou no máximo de dois em dois, é certo e sabido que há um dia do ano em que me dedico aos "ses" da vida.
Ao contrário de saudosos camaradas, eu não vivo para trabalhar. Trabalho para viver. Se pudesse, não passaria um dia da minha vida num escritório a olhar para um computador, um simulador de um carro, uma estacão base de telecomunicacões ou um esquema eléctrico. Mas, sendo essa a ferramenta que alimenta os sonhos, sigo a danca das cadeiras.
Assim que acabo um projecto, comeca o corre-corre para novas "obras". Ninguém quer ficar parado e não há certezas de nada. Acho que já expliquei isto aqui...tem a vantagem de não me aborrecer, mas tem a desvantagem da competicão constante. Há 9 anos que faco isto. 
Quando acabo as entrevistas comeco a pensar em Portugal, onde comecei, por onde passei e onde estou. Penso nas várias escolhas que fui fazendo ao longo do caminho. Medos que já tive, insegurancas que fui ultrapassando. Invariavelmente chego sempre à mesma questão...porque raio não faco isto no meu próprio país? Porque me sentia tão pouco válido em casa e me sinto reconhecido aqui?
Recordo com saudade os meus colegas de trabalho. Gente boa e divertida. Não penso de igual forma quando me lembro da gestão de pessoas, dos incentivos, das progressões, da aprendizagem ou de uma simples palavra de reconhecimento. Lembro-me de critica fácil e de bota abaixo. Lembro-me de regressar para casa em cada dia pensando: "mas foi para esta merda que andei a estudar?". Lembro-me de me sentir uma perfeita nulidade que nem aquele salário, já de si miserável, merecia.
Se há coisa que devo à Suécia é a auto-estima de conseguir acreditar nas minhas capacidades. Desde o primeiro dia que aqui cheguei. Crítica quando teve que ser, elogio quando acertei. Responsabilidade sempre, para o bem e para o mal. 
Nove anos depois consegui um CV que demoraria 5 vidas para conseguir em Portugal. E, ao contrário do que aconteceria no meu país, com o passar dos anos eu não fico mais velho para o mercado. Fico mais experiente, com mais conhecimento. Em vez de ser colocado numa prateleira. sou antes chamado para projectos mais complicados, com maiores orcamentos e maior exigência técnica. Mais atrativos portanto para quem me emprega (por causa das margens).
Esta semana consegui uma nova vaga entre 260 candidatos. Provavelmente a vez em que tive que competir com mais gente por um lugar. Detesto falsas modéstias e por isso digo, claro que fiquei feliz...muito. E orgulhoso.  
Se por um lado me alegra seguir o trajecto profissional por caminhos que me parecem interessantes, por outro fico revoltado com o facto de precisar de andar 3000km para o conseguir.
Era eu mais estúpido quando trabalhava em Portugal? Tinha menos interesse em aprender? Ganhei neurónios quando passei a fronteira? Não, não me parece. Eu, tal como uns quantos milhares, devia ficar feliz por manter o emprego, afinal os tempos eram dificeis, fazer a mesma merda anos a fio, evoluir entre zero e nada e, no fim, ter aumentos de 20 euros ao ano. E hoje, quando vejo as notícias, há miudos na minha área que se sujeitam a isso por 600 euros...
Nunca fui um aluno exemplar. Nem na escola e muito menos na universidade. Tive colegas absolutamente brilhantes que continuam desse lado, a batalhar para chegar ao fim do mês. Admiro-os. Se tivesse metade da capacidade destes, que me lembro assim de repente, acho que estaria por esta hora em Silicon Valley ou num desses sitios onde desembarcam os génios.
Dou por mim a fazer as contas todas do regresso...mas será que, e se fizer assim, quem sabe se tentar ali. Chego sempre à mesma conclusão. Já não consigo aceitar a mentalidade portuguesa no trabalho, chefes limitados e salários da Roménia. Resta-me esperar pela reforma algures à sombra do chaparro. 
E, já agora, que a próxima entrevista seja lá para 2017 que eu não tenho vida para filosofias da saudade.

2 comentários:

Inês disse...

Antes de mais, parabéns!

Pode haver pequenos génios que ficaram pelo caminho mas o sucesso no mercado de trabalho não depende só da inteligência. Depende da coragem, da iniciativa e da vontade de arriscar. Coisas que tens de sobra. Assim como a inteligência, deixa-te de merdas :P

Tiago Franco disse...

É mais "deixa ir e depois logo se vê", mas obrigado de qq forma :)