terça-feira, abril 07, 2015

Garissa, onde fica isso? Ah...é no Quénia, então passa à frente.


Aqui há uns anos, naquela que ainda é a minha publicacão preferida ("Courrier Internacional"), li um artigo sobre os senhores de guerra no Mali, o controlo do bem mais precioso (água), as lutas de morte para se chegar a um poco e encher uma garrafa e o desabafo de uma mãe, para quem o sonho recorrente, era que os filhos acordassem um dia sem sede. 
Mas o que interessa isso? O que importa que um continente inteiro viva sem lei, regras ou justica? Quem é que quer saber dos campos de refugiados, da divisão do Sudão, da anarquia da Somália, dos resquícios de guerra civil em Mocambique, do tráfico na Guiné Bissau, das ditaduras que vão da Guiné Equatorial até Angola, do ébola na parte oeste e das primaveras falhadas a norte, do Sahara ocupado há décadas e do constante estado de alerta nas fronteiras da Eritreia?
Quem é que quer saber de um continente onde se morre por um copo de água, por um emprego nas montanhas ou porque se arrisca num barco para Itália? Quem é que quer saber dessa merda? Ninguém. Então...porque raio Garissa seria diferente?
12 jornalistas são mortos em Franca e a Europa acende velas. Há a liberdade de expressão, há o somos diferentes e há Merkel e Hollande numa marcha em Paris. Os facebooks são todos "Je suis" e a malta emociona-se. Depois do massacre na redacão, segue-se o massacre nos media.
Meses mais tarde aparece um alemão com distúrbios mentais (mais um) e resolve matar-se, arrastando 149 pessoas com ele. Acontece a tragédia dos Alpes. A Europa fica em choque e a informacão atinge os limites do nojo. Sei, sem perguntar, que pesquisas este gajo fazia no google, o que a ex dele pensa, todos os passos da investigacão e todos os aviões que, nos dias seguintes, tiveram 2 minutos de turbulência.
Entre o "Je suis" e o Andreas, continuaram a morrer mineiros na China, seguem as matanca na Síria e os massacres na Nigéria. E agora...cerca de 150 miudos, numa universidade do Quénia, são mortos a tiro como retaliacão. Retaliacão?? Como é que um assassinato cobarde de miudos, que não fizeram mal a ninguém, pode ser retaliacão seja do que for?? Mas que mundo é este em que vivemos??
E porque razão os polícias do mundo só se mexem quando há interesses financeiros em jogo? Porque razão a vida de um cartoonista (nem vou entrar em discussões sobre o tipo de publicacões, é irrelevante para o que se discute) é mais importante do que a vida de 10 miúdos de Garissa?
Falhámos. Falhamos todos os dias. Entre iPhones, Facebooks e Casas dos Segredos, perdemos algures a nocão do que conta, do que importa e do que faz sentido.

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