segunda-feira, setembro 29, 2014

Emprego para a vida...quereZeo?


Acordei com suores frios. Não sei se foi pesadelo ou um medo repetido pela mente enquanto dormia.
Emprego para a vida. Tinha um emprego para a vida. Por 10, 20, 30, 40 anos. Entrava com 23 ou 24 e saía com 65, 66 ou a idade que o Costa decidisse entretanto.
Pelo meio fazia o mesmo percurso para o trabalho diariamente. Almocava no mesmo sítio, cumprimentava as mesmas pessoas, bebia café com o mesmo grupo, via, sem tirar nem pôr, as mesmas caras décadas a fio. Repetia semanalmente as tarefas, deixava de aprender ao fim dos primeiros anos, tornava-me um robot com aumentos salariais indexados à inflacão.
Mas acordei e afinal não é bem assim.
Há muito que escolhi o caminho de não ter um emprego para a vida. Há muito que me convenci que não consigo repetir rotinas semanais anos a fio. Invejo quem consegue por opcão. Não invejo quem não tem opcão.
Já não sei o que é um horário, um colega chato ou hora de ponta. Nem sequer sei o que é O local de trabalho. Sei que existem prazos, datas e entregas a fazer. Recebo um caderno de encargos, desenvolvo a solucão e entrego-a. Nada mais.  Estando essa parte assegurada, ninguém me aborrece com detalhes de hora de entrada ou roupa para reuniões. Trabalho de calcoes até a neve chegar ao joelho. Sou livre. Estou livre.
Mas há o outro lado da medalha. E é por isso que o sonho aparece, pelo menos uma vez por ano.
Terminado o prazo, chegado o projecto ao fim...há que encontrar outro.
O romantismo da liberdade é giro, mas as contas não aparecem só nos meses pares.
É preciso voltar a procurar, encontrar novo projecto, dar a cara em N entrevistas, bater a concorrência e vender-me.
Gosto de falar. Aqui e ali. Sobre tudo. Sobre nada. Mas não suporto ter que vender servicos de engenharia. Falaria com toda a paixão do comboio que atravessa a Sibéria ou daqueles 8km cortados à costa croata, para permitir que a Bósnia também tenha acesso ao mar. Mas...solucões de engenharia? Coisas que fazem a vossa vida mais fácil? Quem é que quer saber disso? A vida já é fácil que chegue e já há electrões a mais por aí.
Mas tem que ser. E, como diz o meu poeta, o que tem que ser tem muita forca.
A margem de erro numa cidade pequena como esta é quase nula. Conhecemo-nos todos, nem que seja de nome. Em cada boa entrega, uma estrela no nome, mais projectos oferecidos. Uma borrada, ainda que ligeira, já fecha umas quantas portas. São as desvantagens da liberdade. Não há seguranca, não há garantias.
Passo uma camisa a ferro e deixo os calcoes em casa. Sento-me com o meu chefe.
Faltam 3 meses...é tempo de mexer.
"O que queres fazer?", pergunta.
Dou-lhe o plano A, o B e o C. O primeiro é ideal, o segundo mastiga-se, o terceiro é mesmo para pagar a renda de casa.
Ele está tranquilo. Com ou sem projecto, garante-me o lugar. Tenho sempre dificuldade em acreditar nas boas intencões mas faco um esforco.
Já passei por isso. São 8 anos a mudar, no máximo, ao fim de 18 meses. Já acabei um na sexta e comecei outro na segunda e, também já fiquei 1 ou 2 meses a "anhar".
Mas nunca fiquei sem emprego. Desde o minuto que aqui cheguei, nunca estive um dia sem um contrato de trabalho. Mas claro...também nunca tive certezas ou garantias.
A conclusão a que vou chegando, à medida que a velhice se aproxima é óbvia. Pessoas como eu são úteis enquanto trazemos projectos e encontramos solucões, para os problemas colocados pelos clientes. Quando isso não acontecer, e esse dia chegará, somos descartáveis. Um engenheiro electrónico, informático ou de uma área qualquer de desenvolvimento, tem que encontrar solucões. Por mais complexas que sejam. Ponto final. No dia em que não conseguirmos, por burrice ou cérebro cansado, o lugar desaparece. Não existem prateleiras douradas e mesas em salas recôndidas onde podemos carimbar impressos até a reforma chegar.
E então? Queixo-me, é isso?
Não. Também não.
Constato apenas que a liberdade tem um preco e uma duracão. Pergunto-me quanto mais durará a minha e quem cederá primeiro, eu ou o mercado?
Mas claro, na dúvida e enquanto não conseguir o emprego de sonho, vou só ali passar uma camisita...

2 comentários:

Vasco disse...

Eu compreendo o que dizes. Estive quase 15 anos a saltar de projecto em projecto, de empresa em empresa. Sempre empregado, mas desde que deixei uma consultora grande (Accenture) que passei a ter de entrevistar para cada projecto, vender os meus serviços a cada 6 - 12 meses.
Agora, pela primeira vez, vou deixar de ser consultor e passar a trabalhar "in house". Espero que o facto de ir continuar a trabalhar em projectos combata um pouco a monotonia...

Tiago Franco disse...

Eu já passei pelos dois (consultoras grandes e pequenas). Agora estou mesmo "in house", mas é na minha...trabalho em casa e só vou ao cliente ver se funciona ou não. Dentro de uns meses, é o costume, não sei...