As caixas
de comentários dos jornais online são, nos dias que correm, o novo terceiro
anel.
O terceiro
anel, caso sejas 1 entre 4 milhões, era a bancada mais alta do mítico estádio
da Luz nos tempos em que 100 000 almas lá cabiam. O sítio onde, em cada
Domingo, se descarregava o stress de uma longa semana de trabalho, chamando de
tudo um pouco ao árbitro e à sua mãe. Eram tempos de magia e convívio. Depois confirmou-se a fruta e o café
com leite e tudo mudou. Já não há alegria e bons impropérios. Apenas raiva,
desprezo e rivalidade doentia.
Mas, dizia eu antes de tropecar na fruta, que as caixas de
comentários dos jornais são o novo terceiro anel, o muro das lamentacões
digital, o vodka barato para esquecer as tropelias da vida. Talvez seja um exagero
tomar o pulso da populacão pelo que lá se escreve mas, são tantos que o fazem e
o chorrilho de asneiras é de tal forma impressionante que, digo eu, dá pelo
menos para um ”cheirinho” de todos nós.
Há poucos dias, dois grupos combinaram um encontro à porta de
uma escola na Amadora para uma cena de pancadaria. Relata o Correio da Manhã
que a disputa teria comecado por causa de um par de óculos de sol. É
indiferente. Vale o que vale.
Dois desses miudos foram esfaqueados, um deles morreu.
Só quem nunca viveu nos subúrbios de Lisboa e circula entre
a Lapa e Cascais (sem passar pelo bairro ”fim do mundo”, claro) é que pode
pensar que isto é um fenómeno isolado, da zona A, da comunidade B e por aí
fora.
Podemos
comecar por pensar porque raio, miudos que deviam estar na escola a estudar e a
construir um futuro, preferem organizar-se em gangues e andar à facada? Podemos
imaginar que tipo de acompanhamento familiar recebem quando chegam a casa.
Quantas horas por dia estão disponíveis e presentes os pais? Em que condicões
vivem? Se estão inseridos em guetos ou em bairros com várias classes sociais. Há
N perguntas por fazer e várias formas de tentar resolver estes problemas.
O que é que
se lê nos jornais? O que é que se escreve? Ódio, ódio e mais ódio.
“Se foi na Amadora foram pretos ou ciganos!”. ”Era metê-los
todos num barco e afundá-lo para fazer um coral”. ”Levem os pretos de volta
para Mocambique!!”. E mais
umas quantas pérolas do género. Ódio, ódio e mais ódio.
Pergunto-me:
saberão os atrasados que escrevem isto que Portugal foi, é, e será sempre, por
razões históricas, um país de emigracão? Com o nosso crescimento 0% há 15 anos
e taxa de natalidade baixíssima, onde pensam que estaríamos sem os emigrantes
que resolvem ir para aí trabalhar? Por outro lado, saberão que Portugal tem
mais 10 milhões de cidadãos (ou descendentes) espalhados pelo mundo? Alguns
deles em comunidades pobres, sem educacão e entre as menos produtivas no país
de acolhimento (ex: Inglaterra)?
Como é que
um povo que construiu a sua história roubando e tirando o que a outros
pertencia (em pelo menos 3 continentes) se pode queixar dos emigrantes? Ou
acham que as comunidades africanas, brasileiras e indianas apareceram aí porque
Espanha estava cheia?
Qualquer
dia parecemos os ingleses de Boston, que acham que aquela terra é mais deles do
que dos italianos ou dos irlandeses e ninguém se parece lembrar que todos a
roubaram aos índios.
Eu não gosto de comparar a realidade portuguesa com aquela
onde agora vivo. Uma vez ouvi o Paulo Pedroso, sentado ao meu lado num vôo da
TAP, dizer que “a primeira coisa que um emigrante faz quando sai de Portugal é
falar mal do seu país”. Eu
concordo com esta frase. É, infelizmente, uma triste característica nossa. Tento
fugir a isso. Aquilo que não gosto em Portugal, já não gostava quando aí
estava. Não passei a gostar mais ou menos. Simplesmente agora percebo como é
que se pode fazer para que funcione bem.
Quando aí
estava achava que a Seguranca Social era gerida de forma escandalosamente
errada, contudo, não tinha bem a nocão de qual seria o modelo certo. Hoje sei
porque já vi um que funciona. Não ganhei novos ódios pelo meu país, bem pelo
contrário, as saudades são mais do que muitas, mas descobri novas solucões.
O caso dos
bairros problemáticos é um destes exemplos típicos. O dia-a-dia prova que a
criacão de guetos não resulta. Entre Chelas, as pequenas argélias nos subúrbios
de Paris ou a “pequena Bagad” nos arredores de Gotemburgo, digam-me qual é a
que funciona? Nenhuma, como é óbvio.
Não sei
como se sente um angolano em Lisboa ou um brasileiro no Porto. Não faco idéia
se um ucraniano gosta de trabalhar numa padaria nas Caldas da Rainha ou se o
chinês que abriu um tasco em Monsaraz sabe quem é o Alberto João. O que sei é
que, como emigrante que também sou, há sítios onde me sinto melhor e outros onde
me sinto pior. Desse lado não deve ser diferente.
Já vivi em vários bairros desta cidade. Numa espécie de Cascais cá do sítio, cheio de
suecos reformados com um barco por quintal. Em bairros “mistos” com
alguns emigrantes e classe trabalhadora sueca. Nunca vivi em bairros só de
emigrantes embora por razões várias, passe por lá muito tempo.
A minha
conclusão é óbvia: de longe, aquele em que me sinto melhor, é o misto. Num
bairro só de emigrantes criam-se grupos. Árabes só falam com árabes, africanos com africanos, latinos com latinos.
Não há integracão. Em “Cascais”, durante 2 anos, nenhum daqueles velhos me
disse sequer bom dia. Não sei se tinham medo que lhes assaltasse a casa, mas,
para todos os efeitos, a integracão continua a ser nula. Num bairro misto, falo
com o Aziz da esquerda e com o Svensson da direita. Há uma mistura e todos são obrigados
a conviver. Não há espaco para deixar ninguém de fora.
“Ahhhh mas
bairros mistos desvalorizam porque metem lá um prédio com romenos e tal!!!”. Deixem-se
de merdas e comecem a perceber o que se passa para lá do vosso quintal. Facam a
experiência de colocar 1 emigrante no meio de 5 locais ou 5 emigrantes
sozinhos, depois contem-me quem é que se adaptou melhor.
Voltando à
Amadora…alguém acredita que aqueles miudos teriam o mesmo tipo de vida se
fossem apenas 2 ou 3 num grupo diferente, que tivesse, por exemplo, o objectivo
de estudar, tirar o curso A ou B? Claro que não. A envolvente transforma o Ser,
para melhor ou para pior. Estamos carecas de saber isso mas preferimos despejar
contentores “deles” entre Chelas e a “Pedreira dos Húngaros”.
1 comentário:
Olá Tiago,
Como vivo na Amadora e ate bem perto desta escola, conheço toda esta envolvencia, felizmente com o empenho de alguns professores e associações de pais tem-se conseguido fazer algumas mudanças e acompanhado melhor estas situação mais delicadas de forma a que possam seguir o caminho certo.Mas infelizmente as mentalidades e a falta de interesse da maioria dos pais não ajuda em nada.
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