terça-feira, junho 11, 2013

Se queres integracão a valer, na Pedreira dos Húngaros tens que viver…


As caixas de comentários dos jornais online são, nos dias que correm, o novo terceiro anel.
O terceiro anel, caso sejas 1 entre 4 milhões, era a bancada mais alta do mítico estádio da Luz nos tempos em que 100 000 almas lá cabiam. O sítio onde, em cada Domingo, se descarregava o stress de uma longa semana de trabalho, chamando de tudo um pouco ao árbitro e à sua mãe. Eram tempos de magia e convívio. Depois confirmou-se a fruta e o café com leite e tudo mudou. Já não há alegria e bons impropérios. Apenas raiva, desprezo e rivalidade doentia.
Mas, dizia eu antes de tropecar na fruta, que as caixas de comentários dos jornais são o novo terceiro anel, o muro das lamentacões digital, o vodka barato para esquecer as tropelias da vida. Talvez seja um exagero tomar o pulso da populacão pelo que lá se escreve mas, são tantos que o fazem e o chorrilho de asneiras é de tal forma impressionante que, digo eu, dá pelo menos para um ”cheirinho” de todos nós.
Há poucos dias, dois grupos combinaram um encontro à porta de uma escola na Amadora para uma cena de pancadaria. Relata o Correio da Manhã que a disputa teria comecado por causa de um par de óculos de sol. É indiferente. Vale o que vale.
Dois desses miudos foram esfaqueados, um deles morreu.
Só quem nunca viveu nos subúrbios de Lisboa e circula entre a Lapa e Cascais (sem passar pelo bairro ”fim do mundo”, claro) é que pode pensar que isto é um fenómeno isolado, da zona A, da comunidade B e por aí fora.
Podemos comecar por pensar porque raio, miudos que deviam estar na escola a estudar e a construir um futuro, preferem organizar-se em gangues e andar à facada? Podemos imaginar que tipo de acompanhamento familiar recebem quando chegam a casa. Quantas horas por dia estão disponíveis e presentes os pais? Em que condicões vivem? Se estão inseridos em guetos ou em bairros com várias classes sociais. Há N perguntas por fazer e várias formas de tentar resolver estes problemas.
O que é que se lê nos jornais? O que é que se escreve? Ódio, ódio e mais ódio.
“Se foi na Amadora foram pretos ou ciganos!”. ”Era metê-los todos num barco e afundá-lo para fazer um coral”. ”Levem os pretos de volta para Mocambique!!”. E mais umas quantas pérolas do género. Ódio, ódio e mais ódio.
Pergunto-me: saberão os atrasados que escrevem isto que Portugal foi, é, e será sempre, por razões históricas, um país de emigracão? Com o nosso crescimento 0% há 15 anos e taxa de natalidade baixíssima, onde pensam que estaríamos sem os emigrantes que resolvem ir para aí trabalhar? Por outro lado, saberão que Portugal tem mais 10 milhões de cidadãos (ou descendentes) espalhados pelo mundo? Alguns deles em comunidades pobres, sem educacão e entre as menos produtivas no país de acolhimento (ex: Inglaterra)?
Como é que um povo que construiu a sua história roubando e tirando o que a outros pertencia (em pelo menos 3 continentes) se pode queixar dos emigrantes? Ou acham que as comunidades africanas, brasileiras e indianas apareceram aí porque Espanha estava cheia?
Qualquer dia parecemos os ingleses de Boston, que acham que aquela terra é mais deles do que dos italianos ou dos irlandeses e ninguém se parece lembrar que todos a roubaram aos índios.
Eu não gosto de comparar a realidade portuguesa com aquela onde agora vivo. Uma vez ouvi o Paulo Pedroso, sentado ao meu lado num vôo da TAP, dizer que “a primeira coisa que um emigrante faz quando sai de Portugal é falar mal do seu país”. Eu concordo com esta frase. É, infelizmente, uma triste característica nossa. Tento fugir a isso. Aquilo que não gosto em Portugal, já não gostava quando aí estava. Não passei a gostar mais ou menos. Simplesmente agora percebo como é que se pode fazer para que funcione bem.
Quando aí estava achava que a Seguranca Social era gerida de forma escandalosamente errada, contudo, não tinha bem a nocão de qual seria o modelo certo. Hoje sei porque já vi um que funciona. Não ganhei novos ódios pelo meu país, bem pelo contrário, as saudades são mais do que muitas, mas descobri novas solucões.
O caso dos bairros problemáticos é um destes exemplos típicos. O dia-a-dia prova que a criacão de guetos não resulta. Entre Chelas, as pequenas argélias nos subúrbios de Paris ou a “pequena Bagad” nos arredores de Gotemburgo, digam-me qual é a que funciona? Nenhuma, como é óbvio.
Não sei como se sente um angolano em Lisboa ou um brasileiro no Porto. Não faco idéia se um ucraniano gosta de trabalhar numa padaria nas Caldas da Rainha ou se o chinês que abriu um tasco em Monsaraz sabe quem é o Alberto João. O que sei é que, como emigrante que também sou, há sítios onde me sinto melhor e outros onde me sinto pior. Desse lado não deve ser diferente.
Já vivi em vários bairros desta cidade. Numa espécie de Cascais cá do sítio, cheio de suecos reformados com um barco por quintal. Em bairros “mistos” com alguns emigrantes e classe trabalhadora sueca. Nunca vivi em bairros só de emigrantes embora por razões várias, passe por lá muito tempo.
A minha conclusão é óbvia: de longe, aquele em que me sinto melhor, é o misto. Num bairro só de emigrantes criam-se grupos. Árabes só falam com árabes, africanos com africanos, latinos com latinos. Não há integracão. Em “Cascais”, durante 2 anos, nenhum daqueles velhos me disse sequer bom dia. Não sei se tinham medo que lhes assaltasse a casa, mas, para todos os efeitos, a integracão continua a ser nula. Num bairro misto, falo com o Aziz da esquerda e com o Svensson da direita. Há uma mistura e todos são obrigados a conviver. Não há espaco para deixar ninguém de fora.
“Ahhhh mas bairros mistos desvalorizam porque metem lá um prédio com romenos e tal!!!”. Deixem-se de merdas e comecem a perceber o que se passa para lá do vosso quintal. Facam a experiência de colocar 1 emigrante no meio de 5 locais ou 5 emigrantes sozinhos, depois contem-me quem é que se adaptou melhor.

Voltando à Amadora…alguém acredita que aqueles miudos teriam o mesmo tipo de vida se fossem apenas 2 ou 3 num grupo diferente, que tivesse, por exemplo, o objectivo de estudar, tirar o curso A ou B? Claro que não. A envolvente transforma o Ser, para melhor ou para pior. Estamos carecas de saber isso mas preferimos despejar contentores “deles” entre Chelas e a “Pedreira dos Húngaros”.

1 comentário:

Sandra Dias disse...

Olá Tiago,

Como vivo na Amadora e ate bem perto desta escola, conheço toda esta envolvencia, felizmente com o empenho de alguns professores e associações de pais tem-se conseguido fazer algumas mudanças e acompanhado melhor estas situação mais delicadas de forma a que possam seguir o caminho certo.Mas infelizmente as mentalidades e a falta de interesse da maioria dos pais não ajuda em nada.