Com a
desculpa do ”choque cultural” já vi, ouvi e senti que chegue para duas vidas. “Aqui
é assim” dizem eles quando colocam doce na carne e pepino no pão. Tudo bem. É
na diferenca que está o enriquecimento cultural.
Já acho
normal ir a um restaurante e ser eu a preparar a mesa. Galão é a bica e o peixe
sai do mar sem espinhas. O abraco substitui o beijo e na sexta-feira, depois
das 19h, não há rei nem rock…salve-se quem puder até ao amanhecer. “Como é que
te chamas?”, ouve-se pela manhã.
No trabalho há bolo. Bolos. Muitos. O Jonas
comeca hoje. O Lars vai-se embora amanhã. Vamos iniciar o projecto. O projecto
foi concluído com sucesso. É sexta-feira. Acordei e estava vivo. Tudo, mas
tudo, são motivos para bolo e galão no horário de trabalho.
Banho
diário não existe. 3 meses de labuta em cada jardim para depois abrir a
espreguicadeira e fechá-la 3 dias depois. Acabou o verão. Agora vou tirar
férias e construir uma garagem. Este sábado não posso porque há festival da
cancão. Queres ir jantar? 17.30h está bom para ti ou é tarde?
O trânsito
meu deus, o trânsito. Há filas com 10 carros. Às vezes são 15. Ainda são
alguns 20 minutos para atravessar a cidade. É melhor sair às 15h para fugir ao
caos.
Salmão
fumado logo pela fresca. Batatas. Com tudo. Batatas, batatas e mais batatas. O
arenque que se come depois de apodrecer numa lata. O “faca você mesmo” para
tudo. Furou o cano? Queres mudar a cozinha? Gostavas de ter camisas passadas?
Descobre a magia da chave inglesa, do Black&Decker e do ferro de engomar.
Não existem servicos e os que existem são pagos a preco de ouro. O IKEA nasceu
aqui e não foi por acaso…
Vamos a uma
festa? Claro. Três horas e 5 litros depois, ainda na mesma mesa,
sentados na mesma cadeira, comecam a pensar:”Bom, vou andando!”. É divertimento em barda.
Vamos à
praia? Claro. Olha…chegámos. Mas, só vejo rochas! Óbvio…quem é que quer areia a
meter-se nos calcões e em todos os orifícios?? Praia é rocha, matreco é
pingolim.
Está Sol. Vamos de lingerie para o parque ou andar descalcos nos passeios públicos até ficarmos com a sola dos pés preta. Olha...pisei uma cuspidela. Deixa, limpa ali no degrau.
Andava eu nestes considerandos, dizendo confiante a mim mesmo que "já vi tudo", quando aparece um novo “aqui é assim”.
Saímos do
elevador e dirigimo-nos para a porta de saída do complexo cercado por arame
farpado. Não há mais nenhum sítio por onde sair. Arame farpado, uma porta
giratória e um pequeno butão que a faz rodar. O camarada vai dois passos à
minha frente. Leva a pasta do trabalho e um casaco à Mourinho, daqueles compridos.
Algo o incomoda na cavidade nasal. Será muco? Será gente? Gente não era
certamente nem ele se atrapalhou ali. Liberta o muco. Para onde? Um lenco de
pano? Um lenco de papel? Para a manga? Não. Para os dedos. Metade para o chão,
como Futre ilustrou na sua obra imortal, e o restante para os dedos. E agora? Limpa-se a gosma a um
lenco? Claro que não. Se ele tivesse um lenco já o teria usado, não é? Limpa-se
a gosma, obviamente, ao interior do casaco. Mais aliviado? Claaaaaro, que não.
Mais uma dedada e um litro de muco nasal dividido no metro seguinte de alcatrão
e o lado interior oposto do casaco. Ahhh…agora assim. Já se respira.
Abrandei o
passo para me desviar das bombas. Ao mesmo tempo tentei dar-lhe alguma
privacidade naquela rua que passou a ser o wc lá de casa. Erro crasso.
Esqueci-me do botão.
Com aqueles
dedos ainda a escorrer carregou no botão e encontrou-se com a liberdade. Eu,
parado e pensativo, comecei a olhar para as câmaras de vigilância e para o arame farpado. Quão dificil seria trepar
aquilo? Ficaria com o meu emprego em risco?
Calma, calma. Tinha luvas na mochila. Salvo pelo gongo. Calcei-as e abracei aquele
botão sem medo. Estou livre. E sem doencas.
Aposto que usou o mesmo casaco no dia seguinte.
Aqui é assim.
1 comentário:
Medo...
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