quarta-feira, maio 29, 2013

Vamos falar de muco nasal? Sim? Sim?


Com a desculpa do ”choque cultural” já vi, ouvi e senti que chegue para duas vidas. “Aqui é assim” dizem eles quando colocam doce na carne e pepino no pão. Tudo bem. É na diferenca que está o enriquecimento cultural.
Já acho normal ir a um restaurante e ser eu a preparar a mesa. Galão é a bica e o peixe sai do mar sem espinhas. O abraco substitui o beijo e na sexta-feira, depois das 19h, não há rei nem rock…salve-se quem puder até ao amanhecer. “Como é que te chamas?”, ouve-se pela manhã. 
No trabalho há bolo. Bolos. Muitos. O Jonas comeca hoje. O Lars vai-se embora amanhã. Vamos iniciar o projecto. O projecto foi concluído com sucesso. É sexta-feira. Acordei e estava vivo. Tudo, mas tudo, são motivos para bolo e galão no horário de trabalho.
Banho diário não existe. 3 meses de labuta em cada jardim para depois abrir a espreguicadeira e fechá-la 3 dias depois. Acabou o verão. Agora vou tirar férias e construir uma garagem. Este sábado não posso porque há festival da cancão. Queres ir jantar? 17.30h está bom para ti ou é tarde?
O trânsito meu deus, o trânsito. Há filas com 10 carros. Às vezes são 15. Ainda são alguns 20 minutos para atravessar a cidade. É melhor sair às 15h para fugir ao caos.
Salmão fumado logo pela fresca. Batatas. Com tudo. Batatas, batatas e mais batatas. O arenque que se come depois de apodrecer numa lata. O “faca você mesmo” para tudo. Furou o cano? Queres mudar a cozinha? Gostavas de ter camisas passadas? Descobre a magia da chave inglesa, do Black&Decker e do ferro de engomar. Não existem servicos e os que existem são pagos a preco de ouro. O IKEA nasceu aqui e não foi por acaso…
Vamos a uma festa? Claro. Três horas e 5 litros depois, ainda na mesma mesa, sentados na mesma cadeira, comecam a pensar:”Bom, vou andando!”. É divertimento em barda.
Vamos à praia? Claro. Olha…chegámos. Mas, só vejo rochas! Óbvio…quem é que quer areia a meter-se nos calcões e em todos os orifícios?? Praia é rocha, matreco é pingolim.
Está Sol. Vamos de lingerie para o parque ou andar descalcos nos passeios públicos até ficarmos com a sola dos pés preta. Olha...pisei uma cuspidela. Deixa, limpa ali no degrau.
Andava eu nestes considerandos, dizendo confiante a mim mesmo que "já vi tudo", quando aparece um novo “aqui é assim”.
Saímos do elevador e dirigimo-nos para a porta de saída do complexo cercado por arame farpado. Não há mais nenhum sítio por onde sair. Arame farpado, uma porta giratória e um pequeno butão que a faz rodar. O camarada vai dois passos à minha frente. Leva a pasta do trabalho e um casaco à Mourinho, daqueles compridos. Algo o incomoda na cavidade nasal. Será muco? Será gente? Gente não era certamente nem ele se atrapalhou ali. Liberta o muco. Para onde? Um lenco de pano? Um lenco de papel? Para a manga? Não. Para os dedos. Metade para o chão, como Futre ilustrou na sua obra imortal, e o restante para os dedos. E agora? Limpa-se a gosma a um lenco? Claro que não. Se ele tivesse um lenco já o teria usado, não é? Limpa-se a gosma, obviamente, ao interior do casaco. Mais aliviado? Claaaaaro, que não. Mais uma dedada e um litro de muco nasal dividido no metro seguinte de alcatrão e o lado interior oposto do casaco. Ahhh…agora assim. Já se respira.
Abrandei o passo para me desviar das bombas. Ao mesmo tempo tentei dar-lhe alguma privacidade naquela rua que passou a ser o wc lá de casa. Erro crasso. Esqueci-me do botão.
Com aqueles dedos ainda a escorrer carregou no botão e encontrou-se com a liberdade. Eu, parado e pensativo, comecei a olhar para as câmaras de vigilância  e para o arame farpado. Quão dificil seria trepar aquilo? Ficaria com o meu emprego em risco?
Calma, calma. Tinha luvas na mochila. Salvo pelo gongo. Calcei-as e abracei aquele botão sem medo. Estou livre. E sem doencas.

Aposto que usou o mesmo casaco no dia seguinte.
Aqui é assim.

1 comentário:

Sandra Dias disse...

Medo...