quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Troco o meu emprego pelo teu


Sempre que olho para esta imagem pergunto: "onde é que errei?"
Os meus dias são passados em frente a um computador, olhando para um ecrã com duas cores enquanto desenvolvo linhas de código. Para quê? Para que essa fotografia tirada na retrete com o iQualquerCoisa chegue ao destinatário ou aquele video do estádio da Luz em brasa siga para o amigo lagarto. Detalhes que no fundo decidem o futuro da Humanidade...
Ora...qual é o meu problema? É que não nasci para isto. Ponto final.
Recordo N vezes o momento da escolha, sentado algures nas Caldas da Rainha, decorando as páginas da revista do ministério da educacão com a descricão de cada curso superior existente em Portugal. O de jornalismo tinha um coracão desenhado na legenda. Significava que era uma profissão de "paixão" , a maneira simples de se explicar a um menor que "aos 30 anos ainda estás em casa do papá!". Já passaram 17 anos.
Era a minha preferência. Também achava piada à advocacia (o Perry Mason vinha logo a seguir ao James na escala de "o maior") mas depois de perceber ao certo o que faz um advogado (e de falar com alguns), passou-me.
Segui para engenharia, afinal, emprego nao faltaria. É um facto. As possibilidades são inúmeras, os salários permitem uma vida para lá de descansada e não há um país no planeta onde não precisem de pessoas com a minha formacão. Tudo certo.
Mas...quantas vezes abri uma revista da especialidade na minha vida? Nunca. Tirando os livros que fui obrigado a ler na universidade e aqueles que tenho que gramar para fazer o meu trabalho, nunca tive qualquer interesse por nada nesta àrea.
Em casa nem computador próprio tenho.
Aqui há uns dias, enquanto arranjava um carro eléctrico do Diogo com o meu pai, perguntava o progenitor espantado: "nao tens um ferro de soldar em casa???". Claro, engenheiro electrónico que se preza vai para casa fazer soldas e brincar com circuitos impressos.
Aceito e compreendo o espanto, afinal, quem gosta persegue. Ainda me lembro de ver o meu Pai a montar rádios em casa.
Peguei no carro do míudo, descarnei os fios com os dentes, enrolei à pata e isolei com fita-cola.
O meu dia-a-dia na Suécia é o contrário do que deveria ser. A minhas avaliacões são excelentes há 6 anos. Já fui promovido, já me aumentaram o salário 5 vezes e, com o mercado em alta há quase dois anos, recebo propostas de trabalho frequentemente. E isto é válido para a maior parte dos meus colegas. Há mais vagas do que pessoas e a luta por recursos é uma realidade matemática.
Contudo, para atingir este patamar tenho que me esforcar a um limite que cada vez menos aguento. Por outro lado, os meus colegas seguem a mesma estrada com uma aparente facilidade. E porquê? Porque são "naturais". Nasceram para isto. Vibram com o mundo da engenharia, com o desenvolvimento de coisas novas e com a resolucão de problemas. Por outras palavras, estão no sitio certo e têm em talento o que me sobra em transpiracão.
Já tentei diferentes áreas dentro do meu ramo e sinceramente, nada me cativa. Fico contente quando uma meta é atingida mas passa-me ao fim de 2 minutos. E é isso.
Há poucas semanas recebi uma proposta de trabalho da Google, nos seus escritórios de Silicon Valley. Imagino que seja um antro de nerds mas reconheco que, no mundo em que trabalho, é onde a accão acontece. A minha primeira e genuina reaccão foi "a quantos Km's é que isso fica de São Francisco??". Essa foi a única parte que me interessou...conhecer uma cidade emblemática. Nem a clássica "olhe, e é para fazer o quê???" perguntei. Não é decididamente a minha praia.
Todos os dias escrevo ou leio sobre os assuntos que me interessam. Politica, actualidade internacional, historia, geografia, desporto. Não passo um dia sem ver um mapa. É de longe o meu objecto preferido.
Ora...não deveria isto ser uma dica? Claro que sim. E das boas.
Invejo, e digo-o sem vergonha, quem consegue viver do que escreve. Seja o que for. Alguém que paga as contas com palavras está, pelo menos para mim, no mesmo patamar do canivete para o Macgyver.
Quem consegue ver mundo e escrever ao mesmo tempo...bom...isso já é zen, nirvana ou umas dessas que a malta do tofu usa. Emprego de sonho.
Leio histórias de pessoas que abandonam a estabilidade de carreiras de sucesso para perseguir um sonho. O último livro do Goncalo Cadilhe tem alguns relatos desses. Mas...pelo que percebo, passada a fase da ilusão aparece uma vida de precariedade.
Comprei, na última vez que estive em Portugal, aquele livro (não me lembro o nome) de três amigos jornalistas que, fartos dos recibos verdes e dos salários de 3 dígitos, largaram tudo e foram de carro até África do Sul (o livro é o relato dessa viagem). Aventura qb, uma viagem inesquecível e as crónicas como forma de subsistência. No regresso, alguma visibilidade, um livro publicado e, se bem percebi, mais emprego precário e mal pago.
Os jornais estão cheios de histórias dessas. Pessoas que procuram um significado para a vida ou que conhecendo-o de antemão, o tentam perseguir.
Talvez seja a minha parte pessimista a falar mas raros são aqueles que dizem: "sim, larguei tudo para seguir a minha profissão de sonho e a vida está óptima!".
Será necessário o talento de um Saramago para se viver das palavras? Não acredito. Mas lá que parece...
Um querido amigo que já nao está entre nós dizia-me, em cada encontro, "existem os de Letras e depois os outros". E tinha razão.
Troco o meu emprego com qualquer gajo que escreva sobre a festa do fumeiro de Mangualde.

5 comentários:

Inês disse...

Bolas Tiago, este era o texto que eu escreveria sobre mim se tivesse o teu jeito para as palavras.

Tiago Franco disse...

Então? Não me digas que também "chapas" massa em ambiente Linux?
:)

tf

Vasco disse...

Eu nao chapo massa em ambiente Linux, mas sento-me ao lado dos que o fazem. Se vieres a Silicon Valley entrevistar 'a Google, da-me uma apitadela e vamos tomar um copo.

Tiago Franco disse...

Vasco...mais depressa bebemos o copo do que eu vou à entrevista :)

Nuno Pereira disse...

Eu sou de letras e, uma vez, ao tirar uma pós graduação em TIC com especialização em TCM, perguntava-me o que é que eu estava ali a fazer! Um dos formadores, o de “gestão das organizações”, respondeu a essa questão, parafraseando-o: Não interessa o que vocês gostam, a pergunta que devem fazer é se estão dispostos a procurar um nicho de mercado, converter a vossa formação para que possam ganhar dinheiro e depois sim, esturrá-lo naquilo que gostam de fazer.