quarta-feira, abril 27, 2011

Hiiiiiii ó Vasco...disfarca um bocadinho pá!

"Na segunda metade do século XX, desde bem antes de 1974 que andámos às voltas com a Europa. Fomos fundadores da Associação Europeia do Comércio Livre (EFTA) em 1960. Depois, conseguimos uma admissão no Conselho da Europa em 1976. E só dez anos mais tarde, depois de muito esforço político e diplomático, chegaríamos à Comunidade Económica Europeia. Se então não tivéssemos entrado, hoje, se ainda fossemos alguma coisa, seríamos menos do que a Albânia.



No primeiro caso, a questão punha-se em termos de comércio livre e viria mais tarde a permitir a criação do Espaço Económico Europeu, entre a EFTA e a CEE, apontando à livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. A EFTA tinha-nos dado uma experiência política e técnica na matéria que veio a ser-nos muito útil.


No segundo caso, a questão era essencialmente política. De resto, a opinião pública em Portugal, que não sabia distinguir bem entre organismos de cooperação e organismos de integração, muito menos fazia ideia daquilo que fosse ou para que servia o Conselho da Europa.


Acontece que o Conselho da Europa já então não servia absolutamente para nada, a não ser para ajudar a sustentar a cidade de Estrasburgo e um aparelho de funcionários que não têm dinheiro para mandar cantar um cego e passam o tempo a engendrar projectos mirabolantes para preservarem os seus empregos.


Mas depois do 25 de Abril, instalada entre nós a penúria absoluta e apavoradas as almas com medo dos desmandos da esquerda totalitária, aquela admissão surgia como uma bandeira política. Valia por uma entrada "a sério" na Europa. Era uma primeira tábua de salvação no naufrágio e também a magna porta perante a qual se exclamava "- Abre-te Sésamo!" com a denodada convicção de que assim a Europa se nos estava já a escancarar amoravelmente, acolhendo-nos num eflúvio de rosas em que passaríamos a banhar-nos, num consolo nédio e lustroso, como o de Ali Babá depois de umas idas à gruta.


A verdade é que já então germinava por cá o grave analfabetismo indígena, entretanto crismado de iliteracia, que viria a caracterizar-nos em todos os azimutes. Os portugueses dessa época já não percebiam, nem queriam perceber, absolutamente nada da história e da cultura do seu país, da sua própria identidade, da sua língua, da sua inserção europeia, das implicações que uma adesão de pleno direito à CEE acarretava.


Não se preocuparam por aí além com a evolução das coisas, salvo com os fluxos de dinheiro que íamos receber. O que significasse ser europeu, não lhes dizia nada. A importância e a projecção da Europa no mundo ainda lhes diziam menos. Eles queriam lá saber da Europa e do mundo! Aquilo que fazia a especificidade e a importância planetária da civilização europeia era do domínio da bizarria para uns maduros que a ela se dedicavam.


Temiam a União Soviética, regougavam que tínhamos estado muito tempo "de costas para a Europa", o que ainda por cima não passava de um chavão idiota, e esperavam que os políticos moderados tratassem disso, já que a Europa não podia ser pior do que a vergonha miserável em que a economia do país se tinha transformado, em nome da luta de classes e da sociedade sem elas.


E nisso tinham razão. De facto e de direito, a Europa não era nada pior, muito pelo contrário, como começámos a verificar a partir da entrada na CEE, em 1986, com um Governo que era competente e sabia o que fazia. Nunca nos desenvolvemos tanto. Embora, está claro, também não tivesse faltado quem visse nos fundos europeus uma galinha dos ovos de ouro que cumpria esburgar o mais eficazmente possível.


Foi-se andando. As coisas começaram a avariar depois de 1996, embora durante uns tempos não se notasse muito. E a irresponsabilidade tornou-se uma modalidade institucional da governação socialista. Portugal agora está reduzido a andar por aí, ao deus dará, a pedinchar uma esmolinha por amor da Europa.


Mas a Europa também mudou. Tornou-se muito maior, muito mais complicada, muito mais azeda, muito menos solidária e muito mais cautelosa. Quem havia de dizer! Agora a Europa, depois de nos ter feito uma porção de bonitos, começou a fazer-nos uma série de manguitos. Aprendeu mais depressa connosco do que nós com ela. E quando nos vê a estender a escudela sôfrega, diz-nos aquela frase lapidar que antigamente se via nalgumas mercearias, com o Zé-Povinho empoleirado numa prateleira a fazer a saudação de S. Francisco: "- Queres fiado? Toma!""


Vasco Graca Moura in DN

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