quarta-feira, janeiro 24, 2007

Os Marcel(l)os

Com a chegada da primavera Marcelista surgiu um novo programa na RTP chamado "Conversa em família". Destinava-se sobretudo a fazer passar a mensagem do novo presidente do conselho de ministros do estado novo. Com uma abordagem mais "pedagógica" e numa toada menos agressiva, procurava afastar-se da imagem do seu antecessor e da brutalidade do regime. Mais flores para a mesma mensagem e claro está, para o mesmo regime. A televisão como meio de influenciar os povos. Um clássico.
Umas décadas depois, já sem "família para conversar", é outro Marcelo que passa a mensagem ao povo. Este, com menos um "L" e apadrinhado pelo primeiro, tornou-se num exemplo perfeito de como a "travessia no deserto" pode mudar a imagem de um político em Portugal.
Marcelo Rebelo de Sousa enquanto líder do PSD (e da oposição) nunca venceu qualquer eleição e foi um líder de transição (termo que o próprio usa para M. Mendes...) entre F. Nogueira e D. Barroso. Em tempo de votos nunca os seus ideais conquistaram o eleitorado. Quando em 99 saiu da "política activa" iniciou a habitual travessia do deserto (tal como Guterres e Portas, sendo que a deste último parece estar quase a acabar infelizmente...). Encontrou nos media, televisão entenda-se, a forma de encurtar esse trajecto e protagonizar uma fantástica "lavadela facial". O mesmo homem cuja opinião não contava para efeitos eleitorais, passou a ser a referência nacional para qualquer assunto. Confesso que nessa altura comecei a ver o jornal da TVI e a aguentar mais de 1h de Moura Guedes para o ouvir. É um bom orador e desdobra bem uma análise política. Fá-lo com termos "populares" e sem grandes prisões. Ora casca aqui, ora casca ali e vai emergindo como o novo neutro. Há também que reconhecer o excelente trabalho de criação feito em seu redor. Dorme 4h por dia, escreve 2 textos diferentes em simultâneo com ambas as mãos e lê "na diagonal" 50 livros por semana para os apresentar no jornal. Nasce um supra-sumo.

(Não queria interromper este texto que só eu vou ler na íntegra, mas tenho que fazer um pergunta aqui: o que é LER NA DIAGONAL?
1. Ler sílabas em cada linha e juntá-las diagonalmente?
2. Ler o prefácio?
3. Ler os restantes títulos do autor?
4. Ler a morada da editora?
5. Ler o resumo da obra na contra-capa?
6. Ler de 10 em 10 páginas?
7. Pedir ao Pacheco Pereira que nos faça um resumo?

Irrita-me esta expressão! )

Durante a escapadela do José "The Cherne" Barroso para a comissão europeia, passando pelo "menino guerreiro Santana" e terminando no "ganda nóia Mendes", foi observando e comentando como se de um corpo estranho se tratasse. O "lift" feito na TVI permitiu que fosse várias vezes apontado como o próximo presidente do PSD. Uma espécie de D. Sebastião Laranjada (tal como o eterno Vitorino do outro lado). Claro que nunca se meteu nesse lodo e continuou a ver a sua credibilidade crescer na ordem inversa da do PPD/PSD (adoro quando o Santana evoca esta sigla Carneirista...não consegui resistir...bom, continuando que isto ainda vai no adro..). Opinar e definir uma estratégia política em frente à Manuela Moura Guedes é dificil porque é necessário olhar para ela, mas voltar a ser julgado em votos é infinitamente pior (e daí...), pelo que ficar na posição de "professor de Portugal" tem sido uma escolha inteligente. Imagino que Marcelo seja um bom professor. Sabe como passar a mensagem em frente às câmaras (o padrinho ensinou!) e é hoje umas das vozes mais respeitadas em Portugal. Ora é exactamente isso que me preocupa. Nada pessoal, mas está a chegar a data do referendo e Marcelo juntou a sua voz aos apoiantes do NÃO. Claro que não se espera que um filho do estado novo vote sim, mas a forma como aborda o problema pode gerar ainda mais confusão e beneficiar novamente o NÃO. Acusa o PS de alterar a pergunta para condicionar a resposta e evita assim discutir a própria questão, distancia-se de partidos políticos mas enumera os típicos argumentos de direita (com destaque para a típica banalização da atitude da mulher na altura de decidir abortar). Continuo com a sensação que os apoiantes do NÃO se mexem mais e denotam uma maior organização. Apenas tentam baralhar mas fazem-no de forma organizada. Isso preocupa-me.

2 comentários:

meh disse...

concordo com muito que escreves. e preocupa, de facto, preocupa. nos meus últimos três jantares à mesa, em todos eles, a conversa, quase discussão, foi o referendo. Os meus jantares costumam ser longos e são representados pelas idades compreendidas entre 9 aos 83, pai, mae, avos, filho...sendo que temos a mesma base de sociabilização, somos uma familia.quando projecto a discussão a nível nacional, compreendo que n pode resultar bem para nenhuma das partes. o que se defende com o sim é claro e suficientemente justo para vencer, mas a questão não é assim tão simples, poderão as questões socias serem politizadas? acho tão frágil esta discussão...

Inês disse...

Tiago, não há dúvida que esta foi a melhor síntese que li sobre o fenómeno Marcelo Rebelo de Sousa. Acho que vais gostar de ver este vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=myf5ces77PU