domingo, setembro 07, 2014

O Perry Mason que deixou de ser romântico...


Corria o ano de 88. Mais coisa, menos coisa, que no reino da fantasia os minutos são horas e os dias passam a décadas.
A nossa Rosinha levantava os bracos em Seul. A depilacão da axila não estava na moda mas ninguém ligou. Era a nossa Rosinha. Magrinha, pequenina e com garra, que, de sorriso simples e sincero, transportava o orgulho de 10 milhões.
O BPN ainda não tinha sido criado. O Diamantino e o Álvaro faziam o corredor esquerdo com uma classe das antigas. Não existiam telemóveis e apenas os militares conheciam esse rede global por onde se mandavam mensagens e viam coisas.
Steffi Graf, a unica alemã que consegui admirar na vida, limpou os 4 torneios do Grand Slam. Não havia FB e os amigos eram de carne e osso.
O FóCulPorto já dopava jogadores mas ainda não comprava árbitros.
Enfim...era um mundo melhor.
Das coisas boas dessa altura, lembro-me dos dois canais de televisão. Óptimo para evitar o lixo em catadupa que se produz hoje. Na pequena ilha onde vivia, o problema era ainda menor, já que apenas existia um canal. "RTP-A", acho que era esse o nome....
O meu programa preferido era a série do Perry Mason. Não eram os crimes ou as investigacões que me puxavam no enredo. Era o desempenho na sala de tribunal. Era a própria sala de tribunal. Mais ou menos a mesma lógica dos filmes do Bond. Não é a accão, o Bond ou o vilão. São as imagens de cada nova cidade por onde ele passa.
Perry Mason deixou em mim, pelo menos na adolescência, uma visão romântica dos tribunais. Chegar, falar, argumentar e convencer. Aquilo agradava-me. Ele dizia sempre a verdade e todos pareciam gostar do velhote. Era boa pessoa. Com o paleio ajudava os mais necessitados. Um Macgyver sem canivete e pastilha elástica.
Quando cheguei à idade adulta, ou perto disso, naquela fase crucial de escolher o caminho universitário (já alguém percebeu que não faz sentido um adolescente de 17 anos fazer escolhas para a vida nessa altura?), quis seguir advocacia. Queria falar (mais!). E defender os inocentes. E ter uma barba. E ser gordo como o Perry Mason. E convencer um júri. And so on, and so on...
As estatisticas quebraram o romantismo da juventude. 1 advogado por cada 1000 portugueses, muitas universidades privadas com esse curso, pouco mercado, impossibilidade de usar a formacão fora do pais, trabalho de escravatura até se atingir alguma estabilidade profissional....bom...decidi agarrar na chave de fendas e o resto foi o que se sabe.
Contudo, ao longo da minha vida fui mudando de opinião sobre os discípulos de Perry Mason. Se temos que recorrer a um é porque, em princípio, algo correu mal. Se somos intimados a comparecer em tribunal, temos medo e vamos logo atrás de um nome, de uma ajuda legal.
Ora...infelizmente, por razões que a razão desconhece, já tive que passar por uns quantos e a experiência vai-me ensinando isto: um advogado é apenas alguém que leu um livro a mais do que tu. E esse livro, por acaso, é o que tem as leis do país.
Em tudo o resto, não há nada que um advogado possa fazer por nós melhor do que nós próprios.
Não defendem as nossas causas mais apaixonadamente do que nós, não interpretam o drama porque não o sofrem e o resultado final é apenas uma vitória ou derrota para o CV, não mais do que isso. Não se aproximam, não se envolvem, não abracam o tema. Prolongam o mais que podem, fazem acordos entre si para fazer render o peixe e extorquir fortunas. Cobram ao mail, à palavra. Não fazem nada que qualquer pessoa que consiga falar não possa fazer. Pelo menos nos sítios por onde passei...
Existem leis, existem regras, existe bom senso. Não se apunhala na costas hoje, amanhã e sempre de forma impune. Não se intimida, não se mente e não se omite como forma de ser ou estar. Não se difama só porque sim.
Não vale tudo. Não estamos na selva.
As cartas não me intimidam. Nem as ameacas. Os carimbos de advogados não me assustam e os jogos de bastidores também não.
E sim, eu sei que estás a ler isto. Óptimo.
Como desistir não entra no meu vocabulário, aqui estarei, pronto para o convívio.
Mas deixa-me só vestir o meu casaco de Perry Mason. Está frio lá fora.



1 comentário:

Anónimo disse...

"I know, it must have been my imagination, but it makes me realize how desperately alone the Earth is. Hanging in space like a speck of food floating in the ocean. Sooner or later to be swallowed up by some creature floating by.... Time will tell, Dr. Mason. We can only wait and wonder. Wonder how, wonder when."
//Somali