quarta-feira, setembro 03, 2014

O dia em que um TTA espanhol me estragou o dia...


Um TTA é um Técnico de Telecomunicacões Aeronáuticas. Pelo que li na wikipédia, é o camarada que assegura o bom funcionamento da maquinaria que permite o controlo do espaco aéreo. De uma forma resumida, é ele quem garante que o controlador aéreo tem "olhos" no céu para orientar os aviões.
Em cada aeroporto há um grupo deles. Sempre que há uma avaria nos radares e demais equipamentos, há uma intervencão ou uma reza, consoante a pessoa que está de servico. Acho que é assim que funciona que eu de radares e aviões percebo pouco.
Feita a introducão, passemos ao sumo que a minha vida não é isto.
Sento-me a imaginar a sala dos TTAs em Madrid. É grande, tem umas janelas enormes e um grande computador central. Daqueles sem teclado. Todos em vidro e com enormes monitores. Como aquele onde o engravatado, usando as palmas das mãos, mostra o CV do vilão à M, no inicio de cada filme do Bond. Na minha cabeca isto faz sentido.
Nesse dia está ao servico um espanhol ligeiramente anafado. Chama-se Pablo e arrepende-se de ter abusado dos bocadillos neste verão. O calor está de morte, como é costume em Madrid. Não há muito para fazer e Pablo refresca-se debaixo do ar condicionado, enquanto brinca com aviões de papel.
Por acidente, o último arremesso termina com uma aterragem perfeita no pequeno buraco que separa o computador da parede. Pablo levanta-se e tenta lá chegar. É dificil. As ancas ficam presas e por pouco não perde o ar. Dá dois passos atrás e resolve afastar o computador. A ficha eléctrica estica ao limite e salta da tomada. "Mierda", diz Pablo, voltando a ligá-la rapidamente na esperanca que ninguém perceba o alarme causado pelas luzes vermelhas.
Enquanto em Madrid Pablo limpa o suor, eu estou sentado num TAP em Lisboa. Vou partir para Gotemburgo.
Welcome ladies and gents e demais cantoria já passou. Vamos comecar a marchar em direcão ao Ártico. Vai, vai...não. Não vai.
Há um problema técnico qualquer e não nos mexemos. Tudo bem. Aguardo.
Não vejo técnicos ou qualquer pessoa a aproximar-se do avião. Menos mal.
Passa o tempo e o piloto explica que há um apagão em Madrid. O sistema foi ao ar e não há autorizacão para usar o espaco aéreo espanhol. "Pablo, gordo d'um raio!", pensei eu.
As hospedeiras comecam a distribuir água. Abrem as portas. Fecham as portas. Agora é que é. Não, ainda não. Há ctrl+alt+del em Espanha mas aquilo demora. Um transmontano da fila de trás comeca aos gritos: "então e num há cúmer????". A senhora explica que as refeicões demoram 1h20min e como podemos partir a qualquer momento, não pode fazer nada. "Entõue e num preparãoue um catering de sánds para estas situacõues???", diz ele visivelmente irritado.
Sim...é isso. E deviam ter também uma terceira opcão de comida em palhinha para o caso do avião aterrar no mar. São estes génios que me animam nestas horas.
Estava tranquilo. O avião não tinha problemas. Era só uma questão de emendarem a asneira do Pablo.
Eis quando aparece a hospedeira (nota - não me consigo habituar à mariquice dos nomes pomposos como "assistente de bordo" ou "auxiliar de educacão". A mim ninguém me chama "assistente do byte" e não há nada errado com "hospedeira") que, servindo mais umas águas, esclarece os passageiros. "Pois, não sabemos o que se passa. Há um apagão em Madrid mas não sabemos se é terrorismo ou...".
Ou, ou, ou? Não, ela não disse mais nada. Ficou-se pelo terrorismo o que é sempre uma forma boa de atirar barro à parede quando não se sabe o que dizer. Os passageiros comecam a ficar enervados e falam no vôo da Malásia.
Comecei a não gostar do assunto e dirigi-me ao cockpit. Pedi para me emprestarem um telefone para fazer uma chamada para um amigo que conhecia o Pablo. Perguntaram-me: "porque não usa o seu?". "Porque não tenho saldo", respondi. O piloto emprestou-me o telefone e pediu-me para o informar se soubesse mais qualquer coisa. Falei com um camarada que por sua vez falou com o Pablo.
Não havia Ossamas, confirmava-se a asneira do espanhol. Sentei-me a falar com o piloto.
"Huum...vai demorar muito tempo até a situacão estar normalizada", dizia ele.
"Acho que vou pedir autorizacão para a rota fox 9  tango charlie oceânica para fugir ao espaco espanhol...demora é mais uma hora a chegar". Já estávamos há 2 horas dentro do avião e eu comecei a pensar que o dia estava feito para mim.
A coisa tem que ser simples. Entrar, sentar, welcome ladies and gents, voar sem turbulência e aterrar. É isto. Entrar em discussões se vamos por fox 9 ou bravo 10, não faz parte dos meus planos.
Na quinta vez que a porta abriu disse que me ia embora. Estava em jejum e não aguentava mais aquela esfrega. O piloto disse: "agora é que é! Vamos partir!".
Sentei-me. 7 horas depois de entrar naquele avião cheguei a Gotemburgo.
Foi um dia bem passado, isso foi, mas para a próxima venho de bicicleta.

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