Diogo, 5 anos a explicar-me onde fica o centro do mundo...

A conversa comecou como de costume, sem qualquer razão. É assim que comecam todas.
Não temos qualquer razão para falar. Nem eu, nem ele. Mas comecamos, do nada, porque sim. Duram minutos, horas ou dias. Depende do tempo que estamos juntos porque assunto, esse elo que nos coloca em frente a um espelho 30 anos depois, nunca se esgota.
- "Porque é que se fala Português no Brasil, Pai?"
- "Porque há muitos anos uns senhores portugueses foram para o Brasil de barco e deixaram lá muitas pessoas que só sabiam falar português"
 - "Foi no tempo dos cavaleiros?"
 - "Foi."
- "E já viviam lá pessoas? Lá no Brasil?"
- "Ehhhhh....bem...sim, viviam lá pessoas"
- "Eram índios?"
- "Sim."
- "Amigos do Lucky Luke?"
- "Não. O Lucky Luke estava na América do Norte, a procurar ouro no Klondike".
- "Eram amigos dos Portugueses?"
- "Não. Eles não conheciam os portugueses antes da chegada dos barcos".
- "Eram indíos maus?"
- "Não. Eram bons."
- "E o que fizeram os portugueses quando saíram dos barcos? "
- "Errrrr...bem...falaram com os indios e perguntaram se queriam ser portugueses também"
- "E onde estava o Rei?"
- "Tinha ficado em Lisboa"
- "E eles quiseram ficar amigos do Rei?"
- "Huuuumm...beeeem...querer, eles não quiseram, mas depois de falarem uns com os outros e de trocarem presentes, arranjaram uma solucão"
- "E hoje ainda temos todos o mesmo rei?"
- "Não. No Brasil há um presidente e em Portugal há outro"
- "Mas são nossos amigos à mesma?"
- "Sim, são nossos amigos".

Ele segue com os seus pensamentos e comeca a construir um avião em lego. Eu comeco a tirar os pratos da mesa e peco ajuda à lógica.
"Não eras tu que há 3 ou 4 dias andavas de chucha e fralda?? Como é que as relacões entre Portugal e Brasil apareceram assim de repente à mesa?". Pensei e não disse.
Bem sei que o tempo voa mas, por favor, o que se segue? Dentro de 3 meses estamos a discutir a anexacão da Crimeia?
Calma miudo, calma. Estás a crescer muito depressa. Tínhamos combinado que ficavas nesta fase 20 anos, não era?
Tem a realidade que me provar assim, de forma tão fria, que estás a crescer e a ganhar o teu mundo em cada semana?
"Paaaaaai, a dor de barriga voltou...agora que desligaste os desenhos animadooooos!!!!"
Fala, fala, fala. Usa o charme da pergunta quando quer. Desenrasca-se quanto tem que ser. Enrola quando pode. Abraca quando sente. E sorri, sorri, sorri. É um puto feliz, sem medo, a construir as asas que o farão voar. "Tenho uma ideia muito mais boa!!!". Claro que tens. Onde é que eu já ouvi isso Diogo?
Tal como ele diz, aqui e ali, "Pai, sabias que somos iguais??". Sei, por acaso já tinha reparado. E o que isso vai moer em cabecas alheias, faz-me pensar que Deus existe.
Não sei se algum dia vais ler isto. Aliás, não sei se algum dia vais ler as centenas de linhas que fui escrevendo sobre ti, desde o dia em que me fizeste o favor de aparecer. Porquê em texto? Porque de viva voz me engasgaria. Só por isso.
Mas a parte importante é esta: aconteca o que acontecer, por mais ventos e marés que nos vão empurrando, por mais que nos tentem afastar, tu terás, pelo menos, duas certezas ao longo da vida: eu estarei sempre ao teu lado e nunca cairás sem que eu sofra o primeiro impacto.
Se os marinheiros passaram pelas tempestades e chegaram ao Brasil, nós não atravessamos duas ou três chuvadas? Claro que sim filho. Claro que sim.
E aposto contigo que um dia, de mochila nas costas, também nós iremos conhecer os índios. Só os bonzinhos, claro!
Amo-te Diogo. Muitos parabéns pelo teu quinto aniversário.