quinta-feira, novembro 06, 2014

Amanhã é que é!!


O piloto diz "cabin crew take your seats for landing" e liberta o trem de aterragem. Olho pela janela e só vejo nuvens. Bem sei que o nevoeiro é um clássico em Amsterdão mas parece-me francamente exagerado desta vez. Desce mais uns metros, atravessa a nuvem e aterra, sem ver a pista. Segue para a manga na bruma. Não se vê um palmo à frente do nariz.
O nevoeiro está a engatar tudo em Schiphol e há atrasos em catadupa. O meu vôo é um deles.
Faltam 20 minutos para a próxima ligacão quando chego ao terminal e a porta está a fechar. Corro o mais que consigo com a angústia de quem não pode falhar. Dentro de umas horas vou buscar o meu filho. Não há apoio ou alternativa. Desvantagens de quem está só no Ártico. Tenho que entrar naquele teco-teco!
Com a mala nas costas e a rebentar de calor, sigo os 1000 metros obstáculos. Os cordões do ténis esquerdo rebentam a meio da prova. Os do direito, remendados há quase um ano, aguentam até ao fim. Sou o último a entrar, sem fôlego e com sede. Mas estou dentro.
A meio da viagem comeco a pensar porque me meto nisto? No Outono e no Inverno as nuvens no norte da Europa chegam à estratosfera. Voar é um pesadelo, pelo menos para mim. O avião chocalha por todo o lado, comecam os gritos e alguns já choram. Eu jorro um rio das mãos e digo a mim próprio que ainda não será desta. Refaco ali, na aflicão, toda a estratégia da volta ao mundo. O coracão dispara para níveis pouco recomendáveis. Tu queres ver que o avião aguenta-se e sou eu que tenho um enfarte?
Comeca a descer os 10 km de nuvens que nos separam do chão e voltam os gritos. Ouco pratos no chão. Fico feliz com a visão dos lagos suecos e pastagens verdes. Estou safo, já só faltam 2 km. Toca no chão e estou convicto, desta é que é...só volto a voar na primavera.
Vou a chinelar para casa. O ténis não se segura.
Olho para a agenda e descubro que tenho uma entrevista no dia seguinte. Dou uma volta naquela imensidão de 4 t-shirts e desenrasco qualquer coisa para vestir. Espera...não tenho ténis para calcar. Como é que posso ficar refém de um par de ténis? Quem é que aos 37 anos é tão calão para comprar roupa ao ponto de ver o mundo desabar por um par de ténis?
Penso em quem me diz que ir às compras é óptimo para curar depressões. Em que mundo vivem vocês onde entrar numa loja é algo bom? Não vos percebo. Mas lá está...aposto que se safam melhor nas entrevistas.
A temperatura ronda os 0 graus e viro-me para as botas. Um clássico que me acompanha desde o dia em que aterrei na Suécia. Estão velhas e gastas. Já foram castanhas. A sola tem buracos e por isso evito as zonas com água. Bolas...como é que me baldei a este ponto? Vou determinado a correr umas quantas lojas e renovar o guarda-fato, ou vá, meter qualquer coisa lá dentro. Renovar é aqui uma forca de expressão.
Comeca a entrevista e não cruzo as pernas. Tenho um buraco nas calcas you know where.
A coisa corre bem e o rapaz oferece-me emprego. Claramente o charme nunca esteve na roupa.
Passo por uma loja a caminho de casa e pensei que sim, vou resolver isto e encher-me de sacos.
Abri a porta do carro convicto e levei com a brisa nos ossos. Não senti o chamamento e fui para casa, onde a temperatura ronda os 24 graus. Cuecas e uma t-shirt e tenho toda a farpela que preciso.
Amanhã é que é! Amanhã ninguém me segura!


Sem comentários: