terça-feira, outubro 28, 2014

No divã com os mercados...


Que dia bem passado a fazer amigos novos!
Perfume, sapatos e até um cinto, que hoje estávamos em modo "vamos lá". Música do Rocky no cantante e aquele olhar para o espelho repetindo: "my name is José and yes, I SINK I'm special".
José de Londres tem que ser a inspiracão de todo o Português que passeia a sua mala de cartão. Se ele conseguiu, nós também conseguiremos.
O sol não tinha nascido ainda quando saí de casa. E quando voltei 8 horas depois também não, mas isso são outros 500.
Vou com vontade para a primeira entrevista. Escritório porreiro junto ao rio, gente simpática, Ikea for life. A conversa é boa e vai para lá do esperado. Quem sou, de onde venho e porquê?
Já perdi a conta às vezes que respondi a isto mas é sempre bom, de tempos a tempos, passar por este processo de novo. Ficamos com a nocão do mercado, colocamo-nos à prova e fazemos mais contactos. E aprende-se sempre algo. Eu pelo menos aprendo.
Uma das coisas que normalmente me perguntam é porque coincide, no tempo, uma parte do meu percurso académico e o meu primeiro emprego. Para um sueco isto não faz sentido nenhum. Nem sei se há a possibilidade de estudar à noite por estas paragens. Mas não consigo evitar uma comparacão de mentalidades, embora me custe fazê-lo.
Em Portugal, o facto de ter trabalhado de dia e estudado de noite, era visto como uma espécie de punicão. Um castigo, um factor contra. E, para ser sincero, também era assim que eu o via. Em Gotemburgo, por mais de uma vez, isso foi elogiado como esforco e dedicacão. Pequenos detalhes que mudam a forma como nos sentimos.
Cartas na mesa. Ele fala de tudo e eu também. A cidade é pequena e ele conhece o meu próximo entrevistador. Tudo bem. Portas abertas em todo o lado e honestidade. Nunca falha.
Fico com uma boa impressão. Eles também. Seguir-se-á novo café, um dia destes.
Acabo a primeira entrevista e vou trabalhar. A minha chefe vê-me de sapatos pela primeira vez e percebe que algo se passa. Casamento ou entrevista.
Almoco a correr e vou para a segunda entrevista. Escritório bem mais modesto numa zona industrial. Empresa pequena, sem grandes custos de operacão, com maior limitacão de projectos e salário mais alto das três. Dinheiro não compra tudo.
Venho-me embora e corro para o centro da cidade. Entro no escritório mais luxuoso do dia. Vista para uma das principais pracas da cidade, decoracão fantástica, excelente ambiente. Quando a oferta de emprego é grande, estes detalhes contam.
A rapariga comeca a descrever os projectos que a empresa ganhou. Estão claramente com a mão no mel. São os mais aliciantes do dia.
Fala sobre as festas que fazem para os empregados, as actividades, os AW nos bares da moda. Comeca-me a cheirar a custos muitos altos de operacão o que normalmente emperra a parte seguinte da entrevista, o salário.
Ela sorri e sugere um corte de 20% no meu salário. Diz ela que a empresa não é conhecida por pagar bem mas sim por ter os projectos mais "hi-tech" cá da zona. Continua dizendo que, segundo ela, pessoas com salários altos não produzem tanto. Não têm o estímulo certo.
Esta parte foi divertida. Nunca me tinham tentado vender banha da cobra de uma forma tão primitiva e básica e, é também por isto, que é bom passar por estes processos para perceber como varia o funcionamento dos vários empregadores.
O que ela não podia dizer é que a legião de pessoas como ela, mais as secretárias e chefias que não trazem dinheiro para a empresa, os AW e as festas da moda, tudo isso tem que ser pago com o lucro feito nas costas dos engenheiros, portanto, claro que sobra menos para salário. A última pergunta foi: "Quanto é que pode reduzir?". Respondi que ia ver a tabela do IRS e depois dizia qualquer coisa. Em Português corrente seria mais ou menos aquela de "temos que combinar um café", que sabemos que não vai acontecer.
Gostei dos móveis, da vista e da tanga. MunTa fortes no contra-golpe.
Regresso a casa congelado. O casaco tem o estilo do José, mas não aquece. Detalhes.
Vejo claramente algo positivo neste corre-corre. Não só descobrir o "modus operandi", como sentir o pulso do mercado. Fiquei a saber que um dos maiores empregadores da cidade vai meter gente na rua e isso, entre outras coisas, far-me-á correr na outra direccão. Ao mesmo tempo, como as entrevistas são feitas em duas linguas, tenho sempre a hipótese de aprender termos novos.
Foi bom. Amanhã há mais.

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