quinta-feira, abril 24, 2014

Quando o disparate repetido me comeca a enervar...


Eu gosto de um bom disparate. Aqui e ali, na mesa com os amigos ou na tertúlia de café. Claro que sim, faz parte da cultura lusa e anima as hostes.
Agora...já me aborrece mais o disparate alarve, contínuo e diário em prime time.
Camilo Lourenco exalta, dia após dia, a necessidade de cortes e mais cortes, pincelando aqui e ali com um "quando é que as pessoas percebem que só pode haver salários maiores quando aumentar a produtividade?". Ora, o problema destas afirmacões, para além de serem falsas, é que, tal como quando semelhante asneira foi proferida por Belmiro de Azevedo, chegam a muitas pessoas. E é essa a parte que me enerva.
Camilo, estragas-me o sono, no fundo é isso.
Não nos podemos fechar no nosso escritório, no nosso quintal, na nossa fronteira. Temos que olhar em volta, perceber onde estamos e tentar evitar a asneira.
O problema dos baixos salários em Portugal nada tem a ver com a produtividade, comeca por exemplo na simples matemática da distribuicão. Um gestor/chefe/director em Portugal ganha ao nível da Europa civilizada. Os que formam as equipas de suporte a essa chefia, ganham ao nível da Europa de Leste.
Vou dar dois exemplos de realidades que conheco.
Em Portugal, numa PME do grupo da Secil com 80 funcionários, o administrador ganha 5000 euros, enquanto o operador ganha 500. Alguém tem dúvidas de que lado está a produtividade? Como é que se justifica um salto, dez vezes maior, entre a base e o topo da pirâmide numa empresa tão pequena?
Numa PME sueca, entre o administrador e o colaborador da equipa que o suporta existem cerca de 500 euros de diferenca entre salários. Não é assim tão raro, igualmente, chefe e elementos da equipa terem o mesmo salário.
Não se iludam. Existem salários altos em Portugal, chegam é a pouca gente.
É, em última análise, uma questão de cultura. Um chefe de equipa em Portugal precisa de ganhar mais só porque sim. Raramente se compreende que é quem faz o trabalho, apresentado por esse chefe, que deve e tem que ser valorizado.
Porque tem que ganhar um chefe de departamento 4000 euros e o seu mais directo colaborador 1500? Não ficaria este último mais motivado se ganhasse 2500? Não teria o chefe uma boa vida se ganhasse 3000? Alguém duvida onde está, maior parte das vezes, o lado produtivo da coisa?
Comparando duas empresas grandes, que conheco relativamente bem. A Volkswagen Autoeuropa, em Portugal, e a Volvo, aqui em Gotemburgo. Um operador de linha da Autoeuropa ganha (ou ganhava quando eu andava por lá) cerca de 800 euros, enquanto um colaborador no departamento de engenharia ganhava 1500 euros, cerca de 1100 líquidos. Na Volvo, o operador de linha ganha cerca de 2500 euros e no departamento de engenharia, em média, 3500 euros. O carro feito em Portugal tem um custo muito mais baixo do que um carro feito na Suécia, no entanto, a VW não o vai vender mais barato, pois não? Certo...a distribuicão de lucros é que é diferente. Um chefe na Autoeuropa ganha o mesmo, ou mais, do que um chefe na Volvo, mas cá por baixo, a música é outra.
O operador da Volvo tem uma vivenda e passa férias na Grécia. O operador da AE vive em casa da mãe e passa férias em Albufeira. Agora digam-me qual é que chega mais motivado ao trabalho?
E depois, a falácia da produtividade vs o tempo de trabalho.
O governo acabou com feriados e  aumentou o horário de trabalho (mantendo os sálarios ou aplicando cortes), imagino eu, partindo do princípio que mais tempo é mais trabalho. Digam-me...quem é que trabalha mais horas, com um salário de merda, enfrentando horas a fio de trânsito e consegue ser produtivo?
A fotografia ali em cima foi tirada num dos parques da Volvo, ontem, pouco depois das 17h. Estavam em casa, com as famílias, a fazer uma actividade ou a correr atrás dos putos num jardim qualquer. No dia seguinte, estão no trabalho às 8h da manhã, fazem o que lhes compete por umas horas e daqui a 2 meses estão de papo para o ar em Santorini, na Sardenha ou em Phuket. Eles, os chefes e qualquer outra pessoa que viva nesta espécie de comunismo do séc.XXI.
Distribuicão Camilo. Como Jesus fez, aquilo dos pães e mais não sei quê.

3 comentários:

Sandra Dias disse...

Vou partilhar...obrigada :)

Tiago Franco disse...

De nada :)

snowgaze disse...

Na mouche, Tiago, é que é mesmo isso.