sábado, dezembro 14, 2013

A batota


As brincadeiras com o meu filho seguem um guião. Ele escreve, realiza e, normalmente, fica com o papel principal. Eu sou o Joaquim de Almeida do enredo. Ou chefe dos bandidos ou Ali Bábá.
Hoje vamos rodar a cena do Dartacão. Primeira pergunta: "Queres ser o Vidimer ou o Rocãoforte?". Escolho o Rocãoforte. O Vidimer é gordo e trapalhão. Ele é obviamente o amor da Julieta.
Ele explica-me a cena. "Vens dali e trazes as jóias que roubaste à rainha. Eu vejo-te e vou atrás de ti. Lutamos com as espadas. Ao fim de algum tempo eu toco na tua mão e a espada salta. Encosto a minha espada na tua barriga e levo-te para a prisão."
Muito bem. A cena parecia-me simples. A. Dumas salta do papel para a cabeca do meu filho. Há algumas adaptacões, mas enfim, ficcão é ficcão.
Comeca o duelo. Ele interrompe. "Afinal antes de tirar a tua espada corto-te uma perna e o outro braco. Tu tens que ficar com dores mas não vais para o chão. Continuas a lutar."
Como é lógico. Há que fazer render o peixe.
"Devolve as jóias da rainha", diz ele. "Nem pensar!", digo eu. Comeca o duelo. Golpe atrás de golpe já pareco uma passador do leite. Mas estou de pé. Sigo o guião.
Chega o toque, solto a minha espada e fico desarmado. O realizador está contente com o desempenho. A caminho da prisão, já a pensar no Óscar da academia, resolvo improvisar. Viro-me rapidamente e ataco Dartacão fazendo poderosas cócegas no braco portador da espada. Ele, por razões óbvias, ri-se enquanto estas duram e solta a espada. Apanho-a e tento criar um final diferente para a história, sabendo que estou a furar o guião. "Já não vou para a prisão! Fugirei para Inglaterra com as jóias da rainha e ela não as poderá usar no baile de Luis XV!!!AH,AH,AH!!". Imagino o público de pé a aplaudir tamanho desempenho.
Dartacão, o realizador e o meu filho, levantam-se e, visivelmente irritados com o improviso, mandam cortar a cena.
"Não, não, não!!", vocifera gesticulando com os bracos. "Não foi assim que combinámos!! Não vale!! Estás a fazer batota...como o Porto!!"
E é neste momento que a ficcão dá lugar à realidade. A clareza do argumento deixa-me despido.
Repetimos a cena. Dartacão safa-se. O realizador fica contente e comeca a estudar a cena seguinte.

1 comentário:

catarina disse...

... e está uma rapariga em sossego a ler isto, a pensar "ok, está a falar do filho, é seguro continuar"... tu não existes, pois não?:) a sério...