segunda-feira, fevereiro 21, 2011

O mundo do faz de conta


Gosto da simplicidade com que abordamos, nós os Portugueses, os temas que envolvem dinheiro.
Comecando pelo "scchhhhiiiuu não digas a niguém quanto ganhas" até ao "por menos de 1000 contos não vou". Entre as coisas que me irritam, e para quem me lê já deve ter percebido que o número vai em 182849404, há um espacinho para a falta de humildade.
Não há reunião de antigos colegas, malta lá do bairro ou qualquer evento com gente que não se vê há muito, que não passe pelo capítulo onde se mede o sucesso. E isto é verdadeiramente espectacular visto por quem gostava de ser reformado aos 35 anos.
De verão em verão, encontro sempre quem tenha um emprego novo. Nunca se percebe bem qual é a funcão desempenhada mas o cargo tem "chefe" no título. Pode ser chefe de armazém, mas está lá. Também tem muita saída o "a minha equipa", ou seja, a malta em quem eu mando. Já ouvi descricões detalhadas de chefes de projecto que explicam, como abordam os clientes e como, através da via oral, vendem o seu produto. E eu, em silêncio, pergunto-me: "mas como é que fazes isso se para me explicares a coisa mandaste 27 calinadas que meteram o Camões às voltas nos Jerónimos?"
Vejo directores que nunca foram outra coisa senão directores, ouco histórias de direitos, exigências e certezas. Tudo ali em volta da mesa. Quando me levanto vou sempre com a sensacão que ao fim de 10 anos de trabalho sou o único da trupe que nunca foi chefe de ninguém.
Depois vem a parte do dinheiro. Perguntam-me quanto se ganha na Suécia e eu respondo. Tal como respondia quando trabalhava na Autoeuropa. Nunca percebi o drama da questão.
Mas, e esta é a parte que eu realmente gosto, satisfeita a curiosidade segue-se o comentário: "Pensava que era mais. Por menos de 1000 contos líquidos não saía daqui!!"
Esta frase, que já ouvi algumas 50 vezes, define bem a nossa forma de ser e estar. Ponto prévio: podemos estar enfiados em merda até ao pescoco, mas só saimos dela se nos pagarem 10 vezes o que ganhamos!! E isto é sempre bonito.
Não só o assumir que se emigra única e exclusivamente por dinheiro, mas também, que uma empresa de um país civilizado tem que pagar mundos e fundos por um trabalhador que vem de um país de terceiro mundo e que em 90% dos casos não tem qualquer mais valia. Uma coisa é a ingenuidade, que se desculpa, outra é a burrice condimentada com arrogância.
Quando escolhemos um país civilizado para viver, há muito, muito mesmo, para além da conta bancária, que se transforma.
Os Rendeiros, Varas e BPNs ficam para trás. As filas de trânsito desaparecem. A corrupcão deixa de ser notícia. O chico-espertismo também. O dia de trabalho termina às 16.30h. A saúde é grátis, a educacão é grátis. Percebes pela primeira vez porque é que pagas impostos. Deslocas-te de bicicleta. Ouves um elogio profissional. Vives sem grades nas janelas. Tens mais semanas de férias. Tens possibilidade de passar essas semanas de férias em qualquer ponto do planeta sem ser a crédito. Não é preciso ser muito esperto...está tudo na internet. Leiam e percebam o que significa viver na Dinamarca, Suécia, Noruega, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Alemanha, Suica e Áustria. Depois olhem à volta e comparem.
Quanto a carreiras e salários, eu não gosto de generalizar e por isso falarei do que sei.
Muitos dos engenheiros que saiem de Portugal pouco ou nada sabem da poda. Fazem uma e uma só funcão a vida toda e o conhecimento da sua área é extremamente reduzido. Muitas vezes por culpa do empregador (porque formar tem um custo), mas é assim que a coisa funciona. Quando chegam ao países desenvolvidos levam esfregas monstruosas de tecnologia. Os anos seguintes de trabalho são de aprendizagem pura e de constante actualizacão. Os empregadores não são idiotas e percebem que um engenheiro que sabe o que é uma chave de fendas e um parafuso, terá mais sucesso do que outro que conheca apenas o parafuso. É aqui que um Português faz a diferenca. Absorvemos a informacão como esponjas e tocamos vários instrumentos. Somos flexíveis. Nada que não fizéssemos em Portugal se tivéssemos essa oportunidade...
Ou seja, ao fim de alguns anos, aí sim, já temos conhecimentos que nos permitem ter emprego bem pago em qualquer sítio do planeta. Mas foi o empregador em Portugal que o proprocionou? Não, foi o A, B ou C do país que nos recebeu. Sendo assim, porque razão deveria A, B ou C pagar 1000 contos na altura de emigrar? Porque tem que nos compensar pelas saudades da sardinha assada? O mundo real é uma coisa, o imaginário na mesa do café é outro.
Os salários funcionam numa base de alguma justica social com pequenos degraus. Ninguém ganha pouco mas também ninguém ganha monstruosidades (em geral). Ou seja, entre um funcionário da base da pirâmide e um chefe, a distância salarial é pequena. Dito isto, convém também dizer que nenhum salário (na área que refiro) está abaixo dos 2500 euro. É este o nível de entrada.
A evolucão será lenta e em topo de carreira, 30 anos depois, quem sabe estará com os tais 1000 contos ou um pouco mais. Mas é aqui que reside o segredo...em vez de ter uma sociedade com poucos ricos e muitos pobres, a divisão do dinheiro permite uma classe média-alta alargada. É isto que verdadeiramente faz a diferenca. É isto que permite que qualquer funcionário entre os 30 e 40 anos tenha um salário, tipicamente, entre 600 e 900 contos. Já sei, já sei...menos de 1000 contos não vale a pena. É preferível continuar a ir ao multibanco fazer as duas operacões do costume pela ordem que se segue: ver o saldo e levantar 10 euro.
Claro que no Kuwait podemos ficar ricos a receber salários "para europeus" isentos de impostos. Desde que não nos importemos de dar umas bracadas no Golfo Pérsico só na companhia de homens, tudo se arranja.
Como dizia um antigo conhecido, é tudo "subjectivel". Aposto que também já é chefe.

3 comentários:

Helena Barreta disse...

O dinheiro não é mesmo tudo na vida.

Por falar em Vara, já sabe a última do Senhor?

Um abraço

Tiago Franco disse...

Já ouvi dizer que tem cartão VIP para centros de saúde :)

cuca disse...

Tiago desculpa o testamento mas não posso deixar de passar o meu testemunho. Concordo em quase tudo e é uma pena que em Portugal as coisas funcionem da forma como tu tão bem descreveste. Por outro lado, a merda da sociedade em que vivemos é que nos ensina a adquirir as coisas para mostrar aos outros. O meu marido está efectivo numa conceituada empresa e tem como chefe do departamento onde trabalha, um senhor de 38 anos. Lá está, com esta idade é chefe e nunca fez mais nada na vida a não ser chefe daquele departamento. E porquê? Porque o pai dele é o director financeiro da empresa. E depois lixa os funcionários só porque sim, por exemplo, em Março todos os funcionários recebem mais um pouco do seu ordenado consoante a avaliação que o seu chefe lhes concede pelo desempenho prestado no ano anterior. Todas as pessoas daquele departamento recebem 80 a 90% de avaliação mas o meu marido tem recebido 55%. A resposta do seu querido chefe é simples "Tens que aparecer mais!!" "Aparecer, como?" "Não apareces para jogar futebol, não passas fins de semana fora com a malta..." Repara: O chefe do meu marido avalia-o consoante o que ele faz fora do trabalho e não o que faz dentro do trabalho. Como é que isto pode acontecer? E depois não admira que recebam inúmeras queixas de clientes porque o assunto não foi bem resolvido ou ainda não está resolvido. Por outro lado, aquela empresa encontra-se numa época de muito trabalho e pagam-se horas extra aos funcionários. O meu marido e mais duas pessoas ficaram de fora sem uma única explicação. Um dos funcionários tentou saber o porquê e indirectamente aquele fabuloso chefe respondeu que eles os três não tinham capacidades para escreverem cartas aos clientes. E agora repara: este chefe de 38 anos, filho do director financeiro da empresa onde trabalha, está a tirar um curso superior de Direito e na página do facebook tem frases fabulosas como esta:

"...é dificil conseguir lá estar às 20h00..à duas semanas atrás ..." Há duas semanas, sem "H"? Eu não suporto erros ortográficos vindos de pessoas burras com arrogância condimentada. Como é que um chefe a tirar um curso superior de Direito dá um erro ortográfico de primária? Pior: como é que um chefe que diz a um funcionário que ele não tem capacidades para escrever uma carta a um cliente pode dar um erro destes?

Como este há muitos em Portugal. Que pena...