Uma das grandes desvantagens de envelhecer, entre outras 539 que me ocorrem, é a perda da inocência. A passagem dos anos e o caminho que Portugal trilhou desde esse Abril, já não me deixam olhar para a revolucão com o mesmo romantismo dos tempos de escola.
Os livros e os professores de história fazem-nos o favor de contar a história como ela deve ser contada. Fazem-nos o favor de relatar o dia, os preparativos, as tentativas e as décadas que ali nos levaram com uma beleza que apela ao sonho e abre as portas da imaginacão.
O livro "Tarrafal" explica bem porque razão este dia é tão marcante para uma geracão que aprendeu a viver em sofrimento constante.
Foi uma revolucão bonita e certamente necessária. Restam poucas dúvidas disso.
Apesar de não a ter vivido, considero que esse foi o momento mais importante do séx. XX português. Não tanto pelo que possibilitou mas essencialmente pelo que podia ter possibilitado.
Imagino que para a geracão anterior à minha o "depois" não seja tão importante. Compreendo. Para quem não podia sequer falar livremente, a liberdade conquistada deve ser quase tudo. Acredito que sim.
A história documenta os 47 anos de terror e realmente, lendo o "antes" e vivendo o "depois", compreendo quem diga que "foi para isto que se fez Abril".
Tenho a impressão (talvez esteja errado) que para a geracão seguinte à minha Abril diz muito pouco ("rivulucão dus cravx?? Na tô a ver"), mas já não acho o mesmo para quem nasceu nos anos quentes.
Que me perdoem os mais velhos, mas como sempre falei em liberdade, eu não acho que "foi para isto que se fez Abril". O 25 de Abril abriu uma janela de oportunidade num país que era profundamente atrasado, que vivia numa ditadura que já não cabia na Europa, que se arrastou 13 anos numa guerra em 3 frentes, que privilegiava a ignorância e nos fechou ao mundo, que não permitia o debate de opiniões, que arrasou com milhares de vidas, que destruiu milhares de sonhos. Ainda bem que o 25 de Abril de 74 chegou. Com décadas de atraso, mas chegou.
E a partir desse dia, numa bandeja de prata e em democracia, todos os caminhos ficaram abertos.
Por mais que tente, e a tendência é piorar, já não consigo ver o 25 de Abril como o dia em que "voltámos a falar" mas como o primeiro dia em que escolhemos o caminho errado.
Olhem para a história do séc. XX na Europa. Todos os países tiveram o seu 25 de Abril. O que hoje em dia os diferencia foi o caminho escolhido no "depois".
O melhor exemplo serão talvez os alemães. O país foi arrasado duas vezes em 30 anos e os custos de guerra (incluindo o que tiveram que pagar como derrotados) deixaram-nos completamente na bancarrota. Quem são eles 65 anos depois? O motor da UE.
Os italianos tiveram Mussolini (bem...mas hoje têm o Berlusconi...talvez não seja um exemplo feliz), os espanhóis a ditadura do Franco, os Irlandeses ainda há umas décadas morriam à fome, os escandinavos formavam um conjunto de países pobres, longe de tudo e de todos, enterrados no gelo. Descontando um pouco o cenário actual criado pela crise internacional, todos eles, de uma maneira ou de outra, conseguiram evoluir, crescer economicamente e atingir o "primeiro mundo". Por favor...até os mais recentes membros da UE, que há 20 anos atrás estavam OCUPADOS e entalados numa "cortina de ferro", apresentam hoje índices de desenvolvimento que nos deixam cada vez mais isolados na cauda da Europa. Com os gregos claro! Ainda bem que a Grécia está na UE! Estou convencido que se o Botswana entrar para a UE, em 3 anos está a abrir fábricas em Portugal.
Qual é a diferenca entre Portugal e os demais? Somos mais estúpidos? Não. Mais espertos? Também não. Mas achamos que sim.
Tal como os outros países pobres, tivemos décadas de fundos comunitários a patrocinar o desenvolvimento. O que fizemos? Pouco. Muito pouco.
Depois dos exageros do PREC e das lutas internas pelo poder, entrámos numa Europa comunitária com a real possibilidade de desenvolvimento, quicá única, da nossa República.
O que conseguimos em mais de 20 anos? Criar uma gigantesca máquina de corrupcão que há décadas distribui o dinheiro dos contribuintes por empresas que vivem à sombra do Estado. Não há forma de reduzir o peso do Estado, de reformar a Saúde, a Educacão ou a Justica. Não há maneira de parar com este saco sem fundo que são os gestores públicos, os salários escandalosos, os prémios vergonhosos e o roubo diário que é feito ao erário público. Tudo debaixo dos nossos olhos, tudo com o nosso silêncio.
Conseguimos sugar todos os subsídios sem criar riqueza ou desenvolvimento económico.
Conseguimos ter os piores indices de produtividade da Europa, estar no topo (terceiro se não me engano) da tabela do ranking de abandono escolar dos países da OCDE (que na UE já não chegava...), conseguimos ver gente que corrompe sair de tribunais com um sorriso, conseguimos ver gente que entra na política com um par de cuecas e sai dela com mansões e iates, conseguimos destruir qualquer hipótese de ordenamento do território e proteccão ambiental em favor do lobby do cimento, conseguimos tornar um país bonito em algo intragável e conseguimos destruir os sonhos das próximas geracões, seja pela falta de emprego, seja pela precariedade do mesmo.
A independência financeira, casa própria, olhar para lá da televisão e qualquer coisa mais, são luxos que nem todos conseguem atingir na chamada geracão "1000/500 euro".
Repito, ainda bem que Abril existiu. Sempre. Mas porque é que perdemos todas as oportunidades? Porque é que continuamos a ser um país atrasado? Ou por acaso alguém acha que Portugal pertence ao chamado "primeiro mundo"?
Sempre que sou apresentado a alguém a pergunta da praxe é: "Mas porque é que saíste de Portugal?". Há uns anos a minha resposta baseava-se no contexto da "experiência de vida". Hoje em dia, costumam acrescentar na mesma frase "é por causa da situacão económica?". Está em qualquer jornal, é só ler. Fico incomodado e sinceramente não estou na disposicão de explicar a um estrangeiro 30 anos de asneiras. Mas o peso fica. Especialmente quando se gosta desse rectângulo.
A sério, não me levem a mal, mas acho mesmo que não foi para isto que se fez Abril.
2 comentários:
o dia pode ter sido importante mas depois de uma revolução espera-se uma evolução, que não existiu. É triste mas tudo que dizes é a verdade. precisa-se de uma nova revolução, revolução de mentalidades. Não me parece que esteja perto disso. Também vivo fora do país, na Dinamarca e sinto o mesmo quando me perguntam sobre a situação do país e a vergonha dos escândalos políticos...
Aplaudo. É tudo verdade, infelizmente.
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