quinta-feira, março 25, 2010

Batendo às portas do céu


Nesta minha passagem pela Suécia (gosto sempre deste aspecto temporário da coisa embora já tenha percebido que vou comemorar o vigésimo aniversário do Diogo aqui…), entre diversas tentativas de adaptacão, há decididamente detalhes que não consigo mastigar nem à lei da bala. Um deles é o servico nos restaurantes.
Desde logo a distincão entre almoco e jantar, no que ao preco diz respeito. O mesmo restaurante vende um filete de peixe (vamos dizer de salmão só por hipótese) por 1000 paus ao meio-dia e por 5 contos às 7 da tarde (5 e 25 euro para quem ainda usa o euro). E isto porquê? Porque na sociedede sueca o jantar fora está reservado para ocasiões especiais, enquanto na nossa está reservado para aqueles dias em que não apetece olhar para tachos. Prefiro a nossa versão decididamente. Sendo um hábito comum, os precos descem e o ciclo completa-se.
Depois a hora. Querem jantar fora? Muito bem…mas nada de entrar depois das 9 da noite. A cozinha já não mexe.
Deixam de lanchar e comecam a jantar às 18h. Com o tempo uma pessoa habitua-se a quase tudo.
Agora o servico…isso é que não. Ao jantar tudo muito bem, mas ao almoco parece que estou na manjedoura. Qualquer restaurante médio tem a política do faca você mesmo. Pagas e dão-te um prato e um copo. Vais à manjedoura servir-te ou escolhes um dos 3 pratos do dia. Vais buscar bebida, talheres, guardanapos (estes últimos só no caso de seres estrangeiro e europeu) e levas para a mesa. Acabas de comer e vais buscar o café. Com sorte há um prato com bolachinhas de onde tiras uma (4 se fores viking) para acompanhar o balde. No fim, se tiveres tabuleiro recolhes a louca, caso contrário fica na mesa.
Bem vistas as coisas, não lavas louca e não cozinhas, mas de resto…é como se 80% dos restaurantes seguissem a política do IKEA, mas sem as almôndegas.
Eu gosto de restaurantes. De boa comida, de bom ambiente, de bom servico. Assim parece que estou numa linha de montagem para farelo.
Até acho que a profissão de empregado de mesa é a mais dificil do mundo, quicá em igualdade com aqueles gajos da NASA que estudam a trajectória dos foguetões. Quando a uma mesa de 10, chega um empregado e diz “e cafés?”, seguindo-se um chorrilho de “pingados, curtos, escaldados, cheios, com cheirinho, normais” a que ele diz sim, sem um papel ou uma caneta, eu sei que estou perante um super-homem. Se o homem ainda grama esta pastilha com um sorriso, suor na testa e casa cheia, bem, estamos perto do Olimpo.
Mas é exactamente esse movimento, essa vida e os precos que os nossos restaurantes apresentam que tornam normal o hábito de ir comer fora.
Acho eu que na nossa cultura também há espaco para momentos especiais ao jantar, mas é quando trocamos a tasca por um XL, Vírgula ou Lisboa à Noite.
Uma notinha aqui sobre este ultimo que tem uma particularidade que nunca vi em mais lado nenhum. Os empregados chamam a atencão uns dos outros simulando o som de um beijo. É abichanado sim, mas não quebra a harmonia do jazz com um “é uma italiana para a mesa 4!!!”.
Aliás…estendendo esta coisa do servico a terceiros para outras áreas, chego a uma loja tipo AKI onde fui comprar uma porta.
Entrei e vi a porta que queria. O viking de servico disse-me para entrar com o carro no armazém para tentar encaixar a portal lá dentro.
Estavam outros carros numa fila e eu estacionei a 50m da porta. Cheguei perto do empregado do AKI e disse-lhe: ”Olhe, o meu carro está ali”, apontando lá para o fundo.
Ele olhou para mim e disse: “E a porta está aqui”, apontando para o seu lado esquerdo. Percebi que a funcão dele naquele armazém era apenas prestar informacões. Carregar com a mercadoria fica para os clientes. Bom…agarrei-me à porta, que tinha alguns 5 X 10 metros (sim, era para o castelo de S.Jorge) e comecei a viagem para o carro. Ele, impávido e sereno, ficou a 1m de mim, calado, a olhar e sem estender um braco. Enquanto levava aquelas 3 toneladas em cima da mona, pensava: “qual será a descricão de funcões deste gajo?”. Talvez “Relacões públicas de fiel de armazém” ou então “Porta-Voz de pessoas que guardam materiais de construcão ligeiramente pesados”.
Atirei a porta para dentro do carro e fui-me embora. Ao sair do armazém reparei que existiam mais 4 ou 5 empregados dentro de um pequeno escritório, que num circulo e entre copos de café, trocavam umas alegres palavras.
Não me quero meter na gestão do AKI local mas, correndo o risco de o fazer, parece-me exagerado ter 6 gajos para apontar para uma porta.

1 comentário:

Tiago ilhéu disse...

Gostei do toque: "O carro está ali".