quarta-feira, junho 24, 2009

O ditado

Queria escrever umas coisas sobre a entrevista de Sócrates e sobre o novo fôlego da oposicão (e daquele momento cómico protagonizado por Portas na AR) mas reparei que o F. Madrinha, que percebe muito mais disto do que eu, escreveu uma por uma as palavras que ditei.
Tudo menos aquela referência lá no fim ao M.Crespo...isso já é invencão dele.
É a ler minha gente!



"Pode alguém ser quem não é?

O país político e mediático discutiu esta semana duas questões momentosas do foro psicanalítico sem o esclarecimento das quais, juram líderes e gurus, Portugal não singrará. A primeira é a metamorfose do "animal feroz" em "português suave", conforme enunciado e tese do grande mestre em frases de belo efeito que continua a ser o ex-director do defunto "O Independente". Trata-se de avaliar se, com a derrota nas europeias, o primeiro-ministro se tornou mais humilde e cordato, como pretendem as oposições, enquanto intérpretes únicas e fidelíssimas daquilo que será o desejo dos eleitores... incluindo os do PS. Se mudou, isso significa que cede ao oportunismo e ao marketing eleitoral, pecado em que as oposições jamais caíram ou cairão, como se sabe. Se Sócrates não mudou, então isso quer dizer que se tornou irrecuperável para a sociedade política da modéstia, da autenticidade e das boas maneiras, qualidades que são, como também é sabido, apanágio de todos os líderes em Portugal. Basta olhar para Paulo Portas e Francisco Louçã.
A segunda questão em debate é de natureza ainda mais complexa e visa a explicação da dita mudança de estilo e de atitude. Como o paciente no psicanalista, Sócrates tem de começar por reconhecer os erros e nomeá-los um a um. Sem essa confissão prévia, não tem cura possível... embora com ela também não tenha. Se enumerar todos os erros que cometeu, as oposições dirão que, por causa deles, o primeiro-ministro não merece ser reeleito. Além de que o próprio acto de assumir os erros será sempre, claro está, um mero exercício de falsa humildade. Se se recusar a fazê-lo, tal quer dizer que continua arrogante e intratável, que nada aprendeu com a derrota nas europeias e que, por isso, não merece ser reeleito. É muito fácil, como se vê, ser oposição em Portugal nos dias que correm.
Tudo isto poderia fazer algum sentido se os pecados de Sócrates - estes que agora lhe apontam de assumir uma pose diferente depois de ter perdido as europeias - fossem um exclusivo seu. O censurador CDS/PP, por exemplo, já foi, sob a mesma liderança de Paulo Portas, várias coisas e o seu contrário. E, quanto a poses e atitudes, arrogância e falsa humildade, o mínimo que se pode dizer é que Sócrates tem muito a aprender com os outros líderes - exceptuando talvez Jerónimo de Sousa - e com pelo menos dois terços da classe política, para não falar de outros sectores que lidam de perto com ela.
Se assim não fosse, jamais o primeiro-ministro teria dito a tal frase suicida na SIC-Notícias. O "estou muito contente comigo" é uma pérola que vai ser exibida e glosada até à exaustão nos tempos de antena para as legislativas. E o curioso é que ela diz tudo sobre a propalada mudança de Sócrates, desmentindo-a categoricamente e respondendo com um 'não' rotundo à pergunta da canção de Sérgio Godinho: "Pode alguém ser quem não é"?
No fim desta semana de catarse pós-eleitoral, feita com uma moção de censura inútil e uma entrevista falhada, o mais certo é as oposições descobrirem que, afinal, o 'animal feroz' não mudou assim tanto. Só por desvario, aliás, é que um chefe de Governo sem tempo nem margem para mudar de políticas ou de ministros, hipotecaria a sua própria imagem a um tacticismo eleitoralista cujo único efeito seria afastar os fiéis, depois de todos os outros o terem abandonado. Sócrates pode estar politicamente fragilizado, mas não consta que tenha ensandecido. Os grandes vão atrás
A moção de censura ao Governo foi um golpe táctico bem sucedido para o CDS/PP, apesar da perda de tempo que representou para a Assembleia. Uma semana depois de ter ganho um novo fôlego nas europeias, o mais pequeno dos grandes apareceu a marcar a agenda e a dizer que, com ele, os grandes... vão atrás. Tanto que o PSD correu a votar na sua moção.
Durante uma tarde inteira na TV, Portas apareceu como o verdadeiro challenger de Sócrates à direita. E o voto favorável de um PSD que, além de ter ido a reboque, teve um desempenho mais do que fruste, abrilhantou a iniciativa a ponto de parecer que Portas era o verdadeiro líder do centro-direita. No mais, o debate revelou um Sócrates que nada tinha a ver com a tal história da humildade. E que ganhou folgadamente esse debate, onde a ausência de Paulo Rangel deixou mais a nu as fragilidades de uma bancada do PSD incapaz de cumprir os mínimos. Com debates destes na campanha e o TGV como tema único, a ideia de que as europeias foram uma sondagem fiável para as legislativas pode revelar-se tão enganadora para o PSD como as sondagens anteriores a 7 de Junho o foram para o PS. Entrevista frouxa
Perante a brandura extrema de Ana Lourenço, qual é o 'animal feroz' que não se transforma em 'português suave'? Uma entrevista ao primeiro-ministro é um momento importante na programação de um canal de televisão e as coisas voltaram a não correr bem em Carnaxide. Não haverá meio termo entre a agressividade hostil e o langor em excesso nas entrevistas a Sócrates? Sem dúvida que é mais fácil assistir e criticar do que estar do lado de dentro do ecrã. Mas, num canal que transmite "Sessenta Minutos", é estranho que não faça escola esse modelo de profissionalismo e de equilíbrio em que nenhuma pergunta incómoda fica por fazer, com toda a serenidade e um sorriso. "

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