terça-feira, setembro 16, 2008

O IKEA que há em nós



Há algo de profundamente injusto com a divisão de tarefas na sociedade sueca.
Cultiva-se o "faca você mesmo".
Tudo muito bem.
É necessário mudar o telhado? Montar uma cozinha? Abrir o motor do carro?
Eles fazem.
Um sueco que não tenha uma bandeira à porta ainda se safa, mas um gajo que não tenha 15 malas de ferramentas da Black&Decker não é ninguém.
Ainda não percebi se esta do "faca você mesmo" é pela extrema forretice local ou se é pelo prazer de usar coisas feitas com suor do próprio.
Diria que é um pouco de ambas.
Admiro e respeito.
Tenho pena de só ter dois dedos em cada mão e não poder contribuir ainda mais para o mundo IKEA.
Mas, e é aqui que a coisa me faz confusão, porque se estende esse mundo a servicos pagos?
Se um gajo escolhe passar o verão em cima do telhado para poupar umas coroas, eu percebo, se eu pagar um servico e ainda assim tiver que trabalhar, aí já não entendo.
O espírito IKEA corre nos restaurantes da cidade. Faca você mesmo, dizem eles. Mas a refeicão é de borla? Não.
Ah, então tudo bem.
Entro no restaurante.
Tiro garfo, faca e guardanapo.
Tiro copo.
Encho copo.
Tiro salada e pão.
Levo manteiga.
Antes de me sentar grito para a cozinha: Abib, queres ajuda para fritar o ovo??
O Abib diz que não.
Óptimo. Com 'p' que o acordo não me diz muito.
Sento-me.
A comida aparece e eu como.
Acabo.
Levanto-me e vou buscar café.
Trago também um bolinho.
Bebo.
Mastigo. Mas pouco que não tenho paciência.
Levanto-me e vou pagar.
Sento-me.
Levanto o prato e separo o lixo.
Restos de comida para aqui, papel para ali, louca suja para lá.
Vou-me embora todo contente.
Elogio o atendimento.
A comida não chega ao estômago.
O exercício feito dentro do restaurante não deixa.
Embrulha corpos danone!
Em nome da justica social, tento alargar o conceito ao meu trabalho. Que diabo, se todos pagam por um servico e fazem metade dele, não deve ser difícil dar-lhes a volta!
Aposto que o meu chefe, apesar de me pagar um salário para trabalhar, não se importa de fazer metade e de nos intervalos me trazer uns cafezinhos. Ah, e de me ler os mails em sueco. Aqueles com mais do que 5 linhas em que tudo parece um concerto de xilofone.
Aí sim, o mundo voltaria a ser um sítio justo.

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