domingo, novembro 12, 2006
"UM"
Há muitos, muitos, mas mesmo muitos anos atrás, por vicissitudes (bela palavra...) da vida, costumava viajar regularmente entre Lisboa e Santa Maria (Açores). Nessa altura, tudo aquilo tinha para mim um fascínio enorme. O aeroporto, os aviões, a azáfama entre destinos, o corre-corre de última hora, as refeições a bordo (um verdadeiro luxo quando comparadas com as actuais sandochas). Por ser menor de 12 anos e viajar sozinho, a TAP fazia o favor de me pôr uma "trela" com a palavra "UM" e de me dispensar uma simpática hospedeira (sim, já sei que hoje em dia se chamam "assistentes de bordo", mas eu ainda gosto mais do outro nome e não o considero ofensivo). A "trela" não me agradava muito, mas a hospedeira 1m mais alta do que eu, abundantemente perfumada, fazia-me sentir gente grande. Os meus momentos de eleição aconteciam quando o avião dava aquele "coice" para se fazer à pista e 2h mais tarde, já perto da meia-noite, quando sobrevoava Lisboa e me encantava com a quantidade de luzes. Deve vir daí o meu fascínio por luzes (Tóquio, tenho que ir a Tóquio!!). Hoje em dia já não é bem assim. Nada me agrada mais do que viajar, mas voar é que já não exerce o mesmo fascínio. Não deixo de ir para lado nenhum e planeio tudo com entusiasmo, mas quando chega o dia de embarcar encho o cérebro de lógicas para justificar o sucesso da viagem. O meu momento preferido nos dias de hoje acontece em terra e resume-se a estar no aeroporto, a mirar atentatamente aquele enorme quadro das partidas e imaginar o sem número de destinos que consigo alcançar a partir daquele mesmo local. Enquanto escrevo isto, estou a bordo de um avião da SAS que me devolve a Gotemburgo. Deveria estar dentro de um "autocarro com asas" da Ryan Air, mas o dia foi propício em aventuras (fica para outro post e não mãe, não me aconteceu nada!) e acabei por perdê-lo...Já tinha a minha lógica mental preparada para o outro: "epá, os bilhetes são baratos mas eles não poupam na manutenção dos aviões. As cadeiras são fixas, têm mais lugares no avião, as hospedeiras ganham menos, etc,etc...mas os motores são bons e novos, etc,etc....e tudo corre bem, blá,blá". Quando perdemos o avião e fomos recambiados para outro aeroporto pensei: "Epá, agora é que vai ser, uma companhia a sério, com aviões grandes e de um país rico, de certeza que não poupam em nada....é tudo à grande, os mecânicos são altamente especializados e usam toalhetes em vez do desperdício, etc,etc". Mal entro no avião sento-me ao lado de um dos motores. Tem a palavra "Scandinavian" gravada. Começam as mensagens em catadupa: "Escandinavo pá....pertence ao governo norueguês, sueco e dinamarquês. Como é que pode correr mal? Não pode pá!!"Mal o chão começa a fugir todas as lógicas perdem o sentido. É alto, é muito alto e como diz um colega homónimo: "eu não tenho asas!!". O meu pavor com estas coisas é tal que há uns meses um amigo perguntou-me: "Então e Dublin, como foi?" ao que eu respondi: "foi porreiro, havia pouco vento, o avião não abanou, céu limpo, boa visibilidade". Ele, na sua boa vontade disse-me: "Quando eu te pergunto pela viagem, refiro-me à cidade, povo, paisagens, essas coisas e não propriamente ao percurso aéreo". Acho que foi aí que percebi que as alturas me ocupam muito espaço de "processamento". Em todo o caso, não há ponta do mundo que eu não queira ver e tenho a certeza não será o medo das alturas a impedir uma viagem. Para qualquer percurso arranjarei uma boa lógica ou então repito este exercício, o da escrita e dos pensamentos da saudade, que diga-se, são uma ajuda enorme para me alhear um pouco e tentar ultrapassar este medo. Agora que reparo nisso, já há luzes a anunciar a "Lisboa" desta noite. O tempo afinal passou rápido e o vôo foi um constante deslizar numa auto-estrada (daquelas novas sem buracos). A escrita foi a fiel companheira e ajudou a encher os minutos... ou então foi a confirmação da lógica escolhida para hoje.... ou será que a SAS tem mesmo aviões que se desviam dos buracos do ar? Queres ver que perdi o medo de voar? Luzes! Lá em baixo!! Adoro luzes!! Que bonitas são vistas daqui....
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3 comentários:
És o meu irmão? Marcos, és tu?
Eu sou praticamente igual... só respiro fundo quando o "grande passaro" aterra!
Não tenho medo nenhum. só acho extremamente aborrecido ficar ali fechado algumas horas.
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