segunda-feira, novembro 06, 2006

O Obélix


Nunca gostei de transportes públicos.
Digam o que disserem, não há conforto como o do veículo próprio munido de um bom leitor de cd's.
Desde que comecei a usar o comboio entre a cidade onde vivo e aquela onde trabalho, esta opinião sofreu um forte abalo. O comboio em questão liga Gotemburgo (que não é a capital da Suécia, para que conste) a Oslo, passando pelo meu apeadeiro: Trollhättan ( momento cultural do post: cidade da Saab e "Hollywood" local onde se fez Dogville com a N.Kidman e Dancer in the dark, com a Bjork).
Os lugares são espaçosos e reclináveis, o comboio silencioso, a máquina de chá/café sempre a jeito e a velocidade ultrapassa em muito os 50Km/h exigidos no alcatrão. É como andar de avião, mas sem asas e em cima de carris. Bom, até porque as alturas não são o meu forte.
Batiam as 6.30h da matina e lá estava eu perto do local de partida do "meu" comboio. À minha frente apenas o lugar. O comboio tinha ficado encalhado num fjord qualquer.
Batendo os dentes olhei para o placar que anunciava um autocarro de substituição. 80Km para norte, entre curvas e velocidades de 60 Km/h, não era o que tinha pensado para iniciar a semana...mas, vamos a isso.
Segui os outros da minha espécie (uma pessoa vai conhecendo as caras que seguem o mesmo destino) e entrei num autocarro (daqueles tipo expresso) cheio até ao tecto. À minha frente ia o Pepe Mexicano. Na verdade não sei de onde ele vinha e que nome carregava, mas aquele sotaque espanhol, a pele de índio, o cabelo de ouriço e sobretudo a forma como furava a fila, deu-me a entender que não brincava com trenós quando era pequeno. Depois, admitindo que era Mexicano só se podia chamar Pepe.
Adiante...
O Pepe sentou-se ao lado de um sueco (num banco de 2 lugares) e eu sentei-me do outro lado onde estavam dois lugares vazios.
Quando pensava que ia fazer a viagem à larga entra mais uma fornada de gente. De imediato começam a distribuir-se pelos lugares vagos e eu aproveitei para os colocar mentalmente, como se de um jogo de batalha naval se tratatasse, em sítios longe do meu metro quadrado. Estava em grande ritmo e com uma taxa de sucesso de 100% quando avisto a Fricarnes.
A Fricarnes era uma moça robusta e vista de cima parecia um sombrero (senti que o Pepe olhou para ela com um carinho especial). Numa luta perdida, as roupas tentavam entrincheirar aqueles pedaços de carne que a cada passo no corredor do autocarro atingiam ora os passageiros da esquerda, ora os passageiros da direita. Parecia o Godzilla (o que eu gostava destes desenhos quando era puto!!) a sair do mar e a escavacar prédios enquanto passeava nas ruas de NY.
Os meus olhos já bem afastados das órbitas levavam ao cérebro a mensagem: "A gorda vai sentar-se ao meu lado! A gorda vai sentar-se ao meu lado! A gorda vai sentar-se ao meu lado!"
Que fique claro, eu não tenho nada contra gordos. Como diz alguém que muito admiro: "um gordo é alguém que está sempre feliz"
Tudo muito bem. Empiricamente diria o mesmo. Não me lembro de nenhum gordo carrancudo ou mal disposto por natureza e para ser sincero, sempre gostei mais do Obélix do que do Astérix. Mas que eu saiba, o Obélix nunca andou de expresso.
Não digo isto por mal, mas os lugares num autocarro têm uma dimensão física finita. Rabos de 1x1m simplesmente não deveriam ser permitidos nas redondezas.
A moça sentou-se e ajeitou-se. Isto foi processo para uns bons 10 minutos. Ajeitar as carnes, recolher o excedente que caía para o lado do chão e colocar debaixo do rabo parte das bogas que fugiam para cima de mim. Foi como encaixar o Dumbo na gaiola do Tweety.
Eram 6.45h da manhã e eu parecia um pega-monstro colado ao vidro, respirando naqueles 20 cm que me restaram depois dela espalhar todo o seu ser.
80 Km com os ossos sobrepostos, numa viagem em tudo semelhante a um Lisboa-Caldas pela N10, mas respeitando os limites de velocidade (que agonia!!).
Ao fim de 50 Km o grito de revolta. Virei-me de lado e encaixei metade de mim numa massa esponjosa. Era a gorda ali tão perto!
Contudo, a outra metade de mim ficou com algum espaço para se mexer, coçar, respirar e todos os restantes "ar" indispensáveis para quem vai mais de 1h na mesma posição. A gorda ficou chateada, mas os meus ossos agradeceram.
Já no destino a vingança apareceu. Com a calma e tempo necessários levantou-se para sair e neste movimento soltou algumas das abas presas debaixo de si. Eu, que estava distraído e envolvido no milagre da chegada, levei uma valente sapatada, como se uma raia gigante ali tivesse passado e voltei de imediato para as imediações do vidro. Colado. Bem coladinho.
Mais de 1m de raio, deveria dar direito a viajar no porão ou então no tejadilho preso com elásticos.
Agora o Obélix é que era! Simpático e bonacheirão. "Forte, não gordo!", dizia ele.
Transportes públicos é que nunca gostei.

7 comentários:

Anónimo disse...

Tu és pobre e mal agradecido, pá. Mas há lá coisa melhor que bater uma valente soneca ao colo de um destes colchões quentinhos, cheios de movimentos vibratórios, que funcionam como massagem? Já sabes, para a outra vez pede licença para te sentares ao seu colo. Os transportes públicos são uma verdadeira fonte de inspiração.

Rosa disse...

Pobre senhora... :D
[Trollhättan lembra assim qualquer coisa como "a cidade dos trolhas", não??)

Tiago Franco disse...

Dos Trolls menina, dos Trolls!! (ou não vias esses desenhos animados?)

joaninha disse...

é inevitavel nao rir a imaginar a tua figura :P

Sandrinha disse...

Para melhorar o cenário só faltava ter arrotado!
;o)

Inês disse...

ahaha.. Pior só seria se aproveitasse o aconchego para te apalpar o rabo :P

Anónimo disse...

AH, AH, AH !!!