segunda-feira, outubro 09, 2006

O miradouro

Fogo de artifício em Gotemburgo (ontem à noite)

Há ideias que o passar do anos amadurecem. Há pensamentos que se reformulam, teorias que se adaptam, momentos que se diluem nas águas do passado. Lembro-me de filosofias lançadas em noites de luar alentejano, de resoluções debatidas no reflexo do Tejo, de cenários tão perfeitamente imaginados que a sua não realização parecia um ultraje.
Não posso dizer que mantenha todos os conceitos com que cresci. Alguns também cresceram (evoluiram?) comigo, outros simplesmente desapareceram. Há um cuja definição se mantém para mim inalterada: felicidade. Não existe como modo de vida. Vive-se a espaços, tão só e apenas. Isso gera em mim uma série de questões, começadas invariavelmente por: "e agora, estás feliz?". Segue-se a constante procura e o infindável cansaço. Planos, objectivos, metas. Traçá-los estabelece o trilho, alcançá-los provoca a felicidade. Mas...e depois? Já está? Já acabou? Começam novos objectivos, novos trilhos, nova busca...o mesmo cansaço.
Passo às coisas mais simples. Os meus familiares estão bem. A Mariana já dá pontapés com fartura e para a semana deve estar "cá fora". O Sebastião está gordo e fala com a minha avó. O meu irmão gosta do novo curso e o futuro parece mais fácil.
Os amigos mais próximos fazem-se notar e não negam as palavras. Todos os pedaços que me formam parecem estar em ordem. Não consigo parar de me preocupar, nunca consigo, não é do meu feitio. Seguro em várias cordas as peças deste puzzle que sou eu. Como qualquer outro ser humano. Uma voz, umas palavras, uma notícia. A felicidade vivida no momento que a define, com a intensidade que o afecto escolhe.
A pergunta repete-se: "Feliz?". Olho então para dentro e observo em redor. Perto de mim tudo parece feito por medida, tudo se parece encaixar, tudo parece ser como sonhei em questionários internos a mim mesmo.
"Feliz então?", volto a insistir.
Como se procurasse um miradouro. Nesse miradouro apenas um banco. Silêncio, paz, descanso e uma vista dislumbrante. Lá sentado eu diria: "Finalmente cheguei e que feliz isso me deixa. Estou descansado."
Depois percebo que não é bem assim.
Quanto mais procuro, mais tenho a certeza que não existe...ou pelo menos não existe como um destino. É apenas um ponto de passagem. Nisso sim, nisso acredito piamente. Todos os dias passo por esse miradouro, sento-me e respiro fundo. Aprecio a paisagem e sigo caminho. Se lá ficasse parado deixaria de ser eu. Percebo agora isso. O que me deixa feliz.

4 comentários:

Anónimo disse...

desculpa ler o que escreves, desculpa também este comentário, sinto que invado o espaço de quem não conheço e leio para conhecer...fazes uma análise e escreves de uma forma tão nítida que me obriga a ler... e vou comentar: a felicidade n se mede, questiona-se é certo,mas n é presente, n é uma pergunta fechada de sim e não, nem em escala de Likert, é mais uma sensação de bem estar que pode ser bem mais pontual do que definitiva, por isso andamos sempre tontos a procura dela...

Tiago Franco disse...

Obrigado pelo teu comentário :) (e por favor fá-lo sempre que o entenderes)
Concordo com o que escreves.

Anónimo disse...

Subscrevo o comentário de meh. Concordo plenamente que a felicidade não passa de um estado de espírito momentâneo que pode ser seguido de medo, tristeza ou preocupação. Há momentos felizes, não há felicidade contínua. Não entendo como pode alguém dizer que é uma pessoa feliz. Parabéns por esta crónica e não desistas de procurar a felicidade porque ela está em todo o lado.

catarina disse...

:) aprendi (the hard way) que a felicidade é isso mesmo: momentos, atitudes, um olhar perdido numa sala cheia de gente, duas palavras ao ouvido, interregnos da vida, bocadinhos dispersos de nós, um miradouro... (gostei da metáfora:)). engraçado é que houve um tempo em que eu achava que, forçosamente, tinha que ser feliz, só porque me faltavam os motivos para não o ser. e isso era terrivelmente angustiante. depois li álvaro de campos "na véspera de não partir nunca". e relaxei:)