segunda-feira, julho 06, 2015

OXI...e agora?



Tenho lido um pouco por toda a parte as posicões, normalmente extremadas, de esquerda e direita sobre o referendo na Grécia. Confesso que me irritam posicões de sim porque sim, ou não porque não.
Existem dois tipos de comentadores. Os Camilos desta vida que, perante a miséria que os rodeia, preferem despejar gráficos e passar a cartilha do governo ad nauseum. E depois há os outros que tentam perceber o que se passa.
Para os que defendem que os gregos são uns caloteiros e por aí fora, vamos esclarecer uma coisa. É verdade que sucessivos governos andaram a martelar relatórios e a criar dívida disparatadamente? Sim, é verdade. São os gregos culpados pela sua própria dívida? Sim, em parte sim. E devem ser abandonados à sua sorte? Não, claro que não. Mas "porque não", perguntas tu jovem centrista cujo sonho é distribuir sacos de plástico. Porque, se mais argumento nenhum colher, digamos apenas que é mais barato salvar a Grécia do que correr com ela do euro e da UE.
Mas vamos por partes...
A dívida da Grécia apareceu hoje? Não, não apareceu. Tal como a portuguesa, espanhola, francesa ou italiana. Ahh..falta aqui a narrativa dos povos do sul. Somos todos uns bandalhos que queremos sol e deixamos o trabalho para os alemães. Mas espera! Então e os Irlandeses e Islandeses? Também fazem a siesta?
Já é altura de perceberemos como funciona a UE e de deixarmos o papel ridículo a que o nosso governo nos sujeita.
Não acho que faca sentido entrar na conversa da diferenca entre as dividas de cada país e como foram criadas, acho que já escrevi 200 vezes sobre isso. Mas convém lembrar duas coisas:
- na UE os países não são tratados de igual forma
- o jogo de interesses é controlado por uma minoria
Um dos exemplos mais citado é a história do material de guerra. Já com a Grécia em plena crise, uma das condicões do resgate era que parte do dinheiro fosse usado para comprar material bélico à Alemanha. Será talvez uma gota no oceano mas explica em parte a solidariedade que não existe. O FMI não é uma instituicão fantasma que imprime dinheiro. É uma espécie de um saco azul onde cada membro (país) mete dinheiro (a quota depende do tamanho do país) e recolhe depois os dividendos gerados. Podem ver aqui.
Como perceberão, o FMI não é controlado por todos os seus membros. Tal como na UE, os pesos são diferentes. Quando o FMI entra num país isso é um negócio da China...os lucros são monstruosos e ainda se está para ver um país "ajudado" que não tenha ficado de joelhos.
Não podemos pedir a um povo inteiro que voluntariamente empobreca para contribuir para os lucros dos países mais ricos e tapar as asneiras feitas pelos seus políticos. Banqueiros e políticos que criaram o buraco, que o paguem, como aconteceu na Islândia. Eu nem percebo os portugueses que apoiam a austeridade. Não aprenderam nada nos últimos 4 anos? A dívida externa aumentou, o desemprego também, mais pessoas foram para a pobreza e tudo o que fazemos é pagar juros. Não conseguem perceber que este é um ciclo vicioso que não tem saída possível porque não permite qualquer crescimento económico?
Os gregos perceberam isso e arriscaram enfrentar os poderosos. Pior do que estão não ficarão e eu acho que fizeram bem. Quem me dera que Passos Coelho tivesse metade do sentido de estado que Tsipras mostrou.
Se um dia alguém escrever um livro a explicar por A+B porque falhou a austeridade na zona euro, usará Portugal como estrela da companhia.
No meio desta confusão, pessoal que consegue ver mais longe (Camilo, agora podes voltar para dentro que já não é para ti), lá se lembrou que a Grécia está a sul dos balcãs, ao lado da turquia e a fazer de tampão aos emigrantes que usam a rota do mediterrâneo para fugirem do médio oriente (lembram-se da Síria? Parece que está mau por lá...). O Putin, aproveitando a chantagem da UE com um estado membro, já disse ao Tsipras que o gasoduto passa pela praca Syntagma e por isso, energia não faltará.
Os estados mais pequenos (entre os quais Portugal) queixam-se que não querem ficar a arder com o dinheiro que colocaram na dívida grega, o que se compreende. Também se poderia perguntar porque razão lá foram meter dinheiro, mas adiante.
Tentemos pois a solucão da Europa solidária...o empréstimo à Grécia é feito sem juros obscenos e os cortes exigidos vão, por exemplo, para a gigantesca máquina estatal (tal como em Portugal se prometeu um dia...). Não tocam em pensões e não aumentam impostos às empresas que podem dinamizar a economia. Ao mesmo tempo fazem um perdão de dívida que inclua a Finlândia, Suécia, Alemanha, Holanda e malta dessa. Os bancos alemães e franceses também ficam a arder um bocadinho, já que se lambuzaram para duas vidas. E pronto...está ou não aqui a verdadeira solidariedade?  A Alemanha também já teve perdões de dívida depois de andarem a queimar pessoas no forno e de arrasarem meia europa, e ninguém se indignou.
A UE não pode continuar a ser este entreposto onde os mais pobres criam dívida para importar produtos dos mais ricos. Nem pode continuar a ter estas diferencas de impostos, salários e classes sociais, Porque razão ganha um engenheiro 1000 euros em Portugal e 4000 na Suécia mas, se for um político/gestor/boy, a ordem já se inverte? É em quem nos exige os sacrifícios que deve comecar o verdadeiro corte. Onde vai a tão famosa "gordura" do Estado apregoada em 2011? E o mesmo se aplica à Grécia. Não é certamente o desgracado que depende do seu trabalho, paga renda de casa e creche do puto, que deve passar a doar quase metade do salário para encher BPNs e BPPs. Em Lisboa, Madrid ou Atenas. Aqui somos mesmo todos iguais. Não perceber isto é não entender o básico de toda esta embrulhada.
Eu não tenho dúvidas que os mangas de alpaca gregos devem vir da mesma escola dos nossos, agora, o que me parece óbvio é que não pode ser um povo inteiro a pagar os crimes de alguns. Isso foi exactamente o que aconteceu em Portugal. Quem roubou continua impunemente a mandar e quem se limita a viver do seu trabalho, ficou com a fatura. Podemos culpar os gregos por não quererem o mesmo para eles? Eu acho que não.

1 comentário:

Llyrnion disse...

Eu, no lugar do Tsipras, logo na noite da vitória eleitoral, "pegava no telefone" (so to speak) e entrava em contacto com a Rússia, a China, a India... com o Irão, se fosse preciso. E tentava marcar visitas de Estado com todos eles. Tentava procurar parceiros alternativos. Começava a preparar-me para a saída, não apenas do Euro, mas da UE, e até da NATO, se fosse necessário.

Se ele o fez e não conseguiu, no fault there.

Se ele acreditou realmente que ia conseguir mudar esta... coisa em que se transformou a Europa, só me resta concluir que sofre de excesso de optimismo ou de ingenuidade. Os primeiros resgates safaram os bancos (principalmente, franceses e alemães) e agora o resto pouco mais será que ir espremendo o(s) país(es) a intervalos regulares, até que saiam.

A Europa morreu, e ninguém se lembrou de a avisar. A UE é composta por países que olham exclusivamente para os seus próprios umbigos. Aliás, como se pode ver com a forma como Irlanda, Holanda e Luxemburgo (fora os que desconhecemos) minam os sistemas fiscais dos seus "parceiros" europeus. Isto não é união, é competição.