quarta-feira, janeiro 18, 2012

O Álvaro e o pastel




Depois do acordo entre o governo, patrões e UGT, lá veio Alexandre Soares dos Santos moralizar um pouco mais. Segundo o camarada que prefere pagar impostos na Holanda,  "a política de baixos salários é errada. Não estimula ninguém a trabalhar e a ser assíduo". Faz sentido. Os jornalistas já não apanharam a frase seguinte mas reza a lenda que disse: "vou aumentar o salário dos padeiros do Pingo Doce de 400 para 401 euro". Por enquanto ficam as dicas. Já é qualquer coisa.
Sobre este acordo, do qual a CGTP se afastou, gostava de dizer o seguinte: é uma merda.
E é uma merda porquê? Como diria um político do centrão, "porque sim, mas principalmente por estas 3 razões que passo a descrever":
1 - Simulacão do bom aluno
2 - Contínuo aperto da classe média
3 - Estratégia errada na forma de encarar o período de trabalho no séc. XXI

Esta é a parte em que eu, se fosse um de vocês, deixava claramente de ler. Vai ser chato e demorado. E no fim estaremos todos irritados. A sério...para ler informacão que interessa vão antes ver as estatísticas do Cardozo. Isso sim, alegra uma Nacão.
Seguindo o discurso político e imaginando que estava na SIC notícias em frente a uma jornalista com laca no cabelo...
Levantaria a mão direita, esticaria o polegar e, agarrando nele (no polegar) com a mão esquerda, diria decidido: "razão primeira!"
O Álvaro e o João Proenca repetiram 200 vezes (cada um) que o país está amarrado ao acordo com a Troika. Infelizmente, não me parece que percebam o que isso significa.
Nós temos um acordo para cumprir. É um facto. E só isso já nos impõe um conjunto de metas que praticamente deixa o país em estado vegetal.
Deste acordo resulta, uma vez mais, que a única estratégia do governo é esmifrar a classe média na tentativa de cumprir o défice. Austeridade gera probreza, reducão do consumo, falências, menos impostos e mais necessidade de austeridade. Este é um ciclo vicioso que não se quebra sem crescimento económico e criacão de emprego. Ora, não tendo nós aparelho produtivo (somos essencialmente um país de servicos), não é dificil perceber que o crescimento económico neste cenário é impossível. Também por aí se percebe que a dívida é impossivel de pagar e que a austeridade nos levará a mais austeridade até que o país rebente.
Estamos todos carecas de saber isto. Certo.
Sendo assim, fica a pergunta: porquê simular o bom aluno impondo aos Portugueses MAIS do que assinámos? Há uma reducão da dívida atrás do arco-íris? Dinheiro com juros mais baixos? Qual é o interesse? Querem dar uma imagem diferente do país? E querem fazê-lo apenas à custa da classe média? Comecem pelos Catrogas da vida e venham depois chatear quem vive com dinheiro à justa para pagar a casa, a creche e o Pingo Doce de Amsterdão.
"Razão segunda!", a mesma decisão, a mesma estratégia das mãos, indicador substitui o polegar. Todo um estilo.
Pedro Passos Coelho que tanto falou na divisão de sacrifícios e na gordura do Estado (eu sei...foi na altura de sacar votos aos patos) continua, calma e tranquilamente, a colocar boys, a garantir regimes de excepcão para a classe e a rapar o que sobra no tacho. Por outro lado, a ÚNICA estratégia que apresenta para pagar a dívida externa é aumentar de 2 em 2 meses os impostos sobre quem (ainda) trabalha. Álvaro, o canadiano, abriu a porta a novo aumento da carga fiscal. Eu compreendo a necessidade de espremer todo e cada euro mas, perceberão que desta forma conseguiremos apenas empobrecer a populacão e aumentar o número de desempregados? NÃO HÁ  crescimento económico nestas condicões!
Num país que já tem dos salários mais baixos da UE faz algum sentido acordar novas reducões salariais? Qual é a estratégia? Manter a creche a 300 euro (ou já construiram uma rede pública e eu não dei por isso?), as casas a 150 000 - 200 000 euro no subúrbio, o gasóleo a 1,5 euro/L, a electricidade mais cara da UE, a rede de transportes mais merdosa, os carros mais caros do que nos países nordicos e no fim do mês...700 euro de salário médio. Pergunto: cortar onde?
Já visivelmente irritado com a senhora da laca, diria então com 3 dedos no ar: "terceira e última razão!!"
O que queres tu da vida Álvaro? Diz-me camarada.
Queres salários mais baixos do que aqueles praticados na fábrica da Adidas no Bangladesh? Não? Ok...sabes a tabuada. Já não é mau.
Queres turnos de 16 horas como recomenda a fábrica da Nike no Laos? Não Álvaro, o Laos não fica perto de Vila do Conde.
Então se não queres competir com esta malta...qual é a estratégia de reduzir o salário e aumentar o tempo de trabalho?
Quem queres tu motivar? Os milhões que trabalham para pagar os submarinos, os Catrogas e os Audis ou os amigos que financiam os partidos? Decide-te rapaz.
Qual é o trabalhador que, tendo já um salário de MERDA, vai aumentar a sua produtividade quando for obrigado a trabalhar mais horas a troco de uma salário ainda pior? Isto já não é acreditar no Pai Natal, é inalar enxofre ao pequeno-almoco.
Continuamos a achar que tempo no trabalho = tempo produtivo. Continuamos sem perceber que um trabalhador sem tempo para a família, sem uma vida própria e sem um salário que lhe permita mais do que pagar as contas, nunca será produtivo (já para não dizer feliz).
Saberás tu Álvaro que os países mais produtivos e com economias mais fortes são aqueles com maiores períodos de descanso?
O banco de horas, a reducão do período de férias, o corte salarial nas pontes e a flexibilizacão do despedimento (por falta de produtividade por exemplo) foram algumas das medidas que ficaram no meu ouvido.
Acho sinceramente que devemos o mercado de trabalho em Portugal (acabando com a teoria do emprego para a vida) mas convém ter algum cuidado para não instalar a lei da selva. Há 20 anos que esperamos por tal flexibilizacão e é agora, sentados num barril de pólvora, que resolvem passar do 8 para o 80.
Outro detalhe importante quando se passa da seguranca absoluta para a selva é o nível de formacão da populacão.
A educacão dos Portugueses está ao nível da Turquia (segundo as tabelas da OCDE) e o nosso tecido empresarial, além de ser pequeno, continua a tentar o lucro pela reducão de salários e não pela excelência do produto. Sem crescimento não há criacão de emprego, logo, quem é que absorve os desempregados? Num país onde depois dos 35 anos somos "velhos" para aprender novas funcões, quais serão as oportunidades para quem vê o caminho da rua? Brasil? Angola?
 Repetem ad aternum o exemplo da Dinamarca e das maravalhias do despedimento facilitado, mas esquecem-se que por ali há mais empregos do que pessoas. Assim é relativamente fácil ser flexivel.
Não vejo grande mal na reducão de feriados, já mexer no período de férias parece-me idiota. O banco de horas ainda pior.
Ouvi na TSF um comentador (quando questionado sobre o banco de horas) responder "eu nunca trabalhei com tal ferramenta mas é bom porque blá blá". Ou seja...nunca usou mas sabe que é bom. Adoro.
Pois eu por acaso trabalho com banco de horas desde 2006 e a ideia não é bem a que o Álvaro impingiu ao João Proenca.
Na pratica o banco de horas serve como um utensilio para a flexibilizacão do horário. Exemplo concreto: trabalhas 50h numa semana ficas com um saldo de 10h (que poderás trocar por dinheiro ou por tempo de descanso). O contrário também existe, ou seja, trabalhas 30h e ficas a dever 10h, que compensarás mais tarde (trabalhando ou levando um corte de salário no fim do ano).
No fim de 2011, quando mudei de emprego, o meu chefe perguntou-me se queria 6 semanas de férias ou banco de horas. Eu escolhi 6 semanas de férias.
Na prática desde que aqui cheguei, entre férias obrigatórias e bancos de horas, nunca tive menos do que 7 ou 8 semanas de férias anuais. Serei menos produtivo do que era em Portugal? Exactamente o contrário.
Do meu desempenho anual depende o meu salário, a minha progressão, os projectos que me são atribuidos e no fim da linha, o meu emprego. É esfolar até não poder mais. E sim...depois chegam essas 6 semanas onde desligo o cérebro.
Fazia isto em Portugal? Claro que não.
As minhas funcões, a minha progressão e o meu salário eram exactamente os mesmos, fosse eu medíocre ou excepcional. Conhecem alguém que se atire ao mar com uma bola de ferro nos pés? Pois...não faz sentido.
Portanto, o banco de horas pode ser bom para a motivacão do trabalhador e até para o responsabilizar pelo que faz e quando o faz. Agora, usar o banco de horas como um quarto escuro onde se colocam pessoas até que o patrão precise delas (que é uma cópia do que se fazia na Autoeuropa), já me parece mais absurdo.
Eu confesso que perdi há muito a esperanca no futuro da minha geracão em Portugal.
A estratégia deste governo é continuar a encaixar boys, arranjar regimes de excepcão para a classe e apertar quem trabalha (e não paga impostos em Amsterdão) até ao limite.
Já todos perceberam que é uma equacão impossível (já percebeste isso Álvaro, ou não?) mas não desistem do caminho. Não admitem renegociar a dívida e continuam com as palas nos olhos.
É isso. De imposto em imposto até à derrota final.
Li uma notícia sobre um canhão Português descoberto numa praia australiana. Segundo a mesma, a descoberta poderia ajudar a reescrever a história do continente (ou seja, provaria que os Portugueses teriam sido o primeiro povo europeu a chegar lá, quase 200 anos antes dos holandeses).
Um comentador bem disposto escreveu: "também poderia ajudar a reescrever a nossa história se o apontassem à Assembleia da República em Lisboa".
Acho meigo. E concordo.

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