quarta-feira, junho 02, 2010

Estranha forma de vida

De x em x meses, sendo 'x' um múltiplo de 3, abro a newsletter do ExpressoEmprego.
Faço-o por várias razões. Curiosidade, pela clássica "nunca se sabe...", porque acho que o mercado de emprego é um indicador do país e por fim, porque sou parvo.
Hoje foi dia x e logo por coincidência encontrei um pedido mais ou menos para o meu quintal. Resolvi averiguar.
Uma PME da área tecnológica procura um eng. de software para testes e desenvolvimento. Querem que esta pessoa seja a única responsável por tal departamento, deve ter 5 anos de experiência, fluência em inglês, um curso de engenharia e mais uma série de requisitos técnicos que não interessa detalhar. Apenas um...deve dominar uma linguagem específica de programação de baixo nível.
Tudo muito bem. Não são meigos a pedir mas imagino que tenham noção disso.
Não...nem por isso. Oferecem "possibilidade fabulosas de desenvolvimento" e 1000 eur por mês.
Para que se perceba o ridículo, isto é o mesmo que chegar a um catedrático de Letras, exigir-lhe que escreva todos os documentos da Torre do Tombo em Latim e pagar-lhe com uma sandes de torresmo e o L123 da Carris. A propósito...ainda existe? O L123, o torresmo sei que sim.
Fui ler um pouco sobre a empresa. Têm uma carteira de clientes internacional (multinacionais) ou seja, fornecem serviços no ramo das telecomunicações a multinacionais sediadas noutros países. Será que cobram preços chineses? Não acredito. Devem cobrar preços bem europeus e distribuir o grosso do bolo pelos gestores e o desgraçado que lhes arranja os resultados, leva 1000 euritos.
Ora...este salário é o mesmo que se pagava há 10 anos atrás. Algo não bate certo. É a economia do país que não cresce? É a mentalidade portuguesa de tentar lucro com salários baixos? É o clássico fosso entre gestores e colaboradores mais directos?
Talvez um pouco de tudo.
Uma das coisas que nunca percebi é porque é que "quem manda fazer" recebe em média 3 vezes mais do que "quem faz"? Aliás...isto é aceite por todos. Não é por acaso que a partir de certa idade, profissionais de áreas técnicas, começam a seguir carreiras de gestão. É aí que chove mais.
Eu não desprezo qualquer profissão e tenho consciência que todos somos necessários. É preciso talento para coordenar e motivar pessoas, para liderar projectos, para liderar reuniões. Não deve ser fácil gerir, acredito que não. Agora...convenhamos, 70% dos "gestores" de áreas técnicas fazem power points com diagramas de blocos e depois, "alguém" que recebe 1000 euro, transforma essas caixinhas em coisas reais. É aqui que está o grosso do trabalho e o sucesso ou insucesso da coisa, por muito violino que o gestor toque, está no trabalho do "1000 euro" ou Zé Piço, como lhe chamavam na saudosa Autoeuropa.
É provavelmente por pagar 3x1000 euro aos gestores, que esta empresa coloca o anúncio a pedir um Zé Piço por 1000. É que...e isto é que me faz impressão...sem o técnico a empresa não funciona, já sem o gestor...
Isto parece-me lógico. Hoje. Enquanto estive em Portugal nunca questionei. Era assim e pronto.
Há coisa de 2 anos atrás, numa discussão salarial, o meu chefe disse-me: "com este aumento ficamos os dois com o mesmo salário!", parou um pouco para pensar e continuou: "bom...mas faz sentido, sem o teu trabalho não há razão para eu estar aqui". E isto é válido para mim ou para qualquer colega meu. Todos os chefes sabem que dependem das equipas que lideram e isso vê-se na folha de vencimentos. Não há fosso, apenas um degrauzito.
Talvez seja por isso que olho com desconforto para a realidade portuguesa. Simplesmente não faz sentido.
Pronto...desculpem lá o sermão.
Vou ver a bola.
Daqui a 3 meses há mais.

2 comentários:

Ana A. disse...

Infelizmente cada vez mais este é o prato do dia de Portugal.
Nem todossão capazes de perceber essa equação básica de que sem oZé Piças não há nada para gerir.
Felizmente ainda há alguns exemplos que escapam, senão eu tambémjá não estaria cá!

Anónimo disse...

Aconteceu algo semelhante comigo. respondi a um anuncio, onde supostamente uma entidade publica estaria a contratar engenheiros agronomos com uma lista infindável de qualificações e claro, com experiencia profissional. Quando vou á entrevista e questiono pelas condições, informa-me que essas questões eram com a empresa de recrutamento. então contacto a respectiva empresa de recrutamento, que me diz que o salario oferecido seria de 600 euritos!
assim vai este País!