quinta-feira, outubro 04, 2007

Comer sem mastigar

Bater perna durante 45 minutos logo pela fresquinha oferece-me, além das dores (a idade não perdoa), muito tempo para pensar.
É muito tempo sem ninguém por perto para falar. E isso é um verdadeiro tormento.
Se o silêncio fosse bom a surdez seria uma dádiva.
Há falta de melhor falo comigo. É óptimo porque na maior parte das vezes acabo por ter razão.
Discutíamos o jogo de ontem. Eu e eu.
Tentei fugir à conversa fingindo que não era coisa que me incomodasse, mas logo percebi que não valia a pena. Não só me incomoda como me tira a boa disposicão.
Fica aqui a bater-me no miolo como um pica-pau. Há que discutir o tema.
Assim, eu e eu, lembrámo-nos da frase lapidar de Nuno Gomes no final do jogo: "Fazemos tudo bem mas não conseguímos chegar ao golo!"
E com isto entro numa subida tramada.
Espero pela recta para organizar ideias.
Já está.
O golo. Comecemos por aqui.
"blá,blá…chegar ao golo".
Os sócios, as recordes do guiness, as pessoas que comem corato com mine na roulotte, a senhora que vende bandeiras em frente ao Colombo, o Máximo taxista, o Barbas, os salários de realeza, os benefícios fiscais, os kits do orelhas, cada bancada do novo estádio, o centro de estágio, os jornais desportivos, o merchandising, o naming e todos os "ing" que se inventam quando não há guita, servem apenas para que essa palavrita tão simples e universal exista: golo.
É para isso que tudo o resto mexe. Para que durante 90 minutos vocês consigam dizer "golo" mais uma vez (pelo menos) do que os mancebos que correm do outro lado.
No fundo é apenas isso.
Ora…se essa parte não existe, há que repensar o que fazer da vida.
Imaginem um cirurgião a dizer:
"epá…eu abro bem com o bisturi e troco umas válvulas no coracão, mas naquela parte de fechar outra vez é que me atrapalho!"
Sim, eu sei. A frase "com o coracão nas mãos" ganharia um novo sentido, mas não seria prático além de que sujaria muito.
Peguem neste exemplo e repitam-no com qualquer área da sociedade.
Faco as paredes mas o tecto não. Lavro a terra mas não coloco sementes. Ensino a ler mas sem falar. Apanho turistas na Portela e levo-os pelo caminho mais curto sem os enganar.
Coisas sem sentido. Percebem?
Se o resto da sociedade seguisse o vosso exemplo, o mundo ficaria muito próximo daquele idealizado pelo Loucã.
Que tal usar esse belo relvado para criar vacas e entrar no mundo dos lacticínios.
O "ing" ficaria assegurado com o merchandisING de chocolates. Estaria na primeira fila para comprar um belo chocolating com o nome "Gloriosing".
Agastado com o debate que tive comigo chego ao trabalho.
As pernas acompanham o desgaste.
Segue-se a banhoca e duas reuniões.
2 fatias de bolo em cada reunião.
Valeu a pena pedalar.

2 comentários:

Inês disse...

Caramba Tiago... Pára com isso! Como é possível escreveres textos tão bons? Grr.. que me irritas... ;)

Marta Lopes disse...

Começo pela idade: Não é velho, portanto não é da idade. Será talvez, um pouco de ferrugem - nada de grave.
Depois, correr sozinho é óptmo, estou de acordo! Dá para pensar, dicutir ideias (sim porque acabamos por ter necessidade de as discutirmos),etc...
Quanto ao jogo, bom, quanto ao Nuno Gomes... Raios o partam, pá!
À que jogar para ganhar. O que é isso de "Fazemos tudo bem mas não conseguímos chegar ao golo!" ???
Francamente... até a arranjar desculpas é frouxo...

Bom texto, gostei!
Parabéns!