quinta-feira, novembro 23, 2006

No Sado

Setúbal, foto de R.Rodrigues
Estava a ver a "nossa janela" (obrigado Ricardo!) quando o Sousa Tavares apareceu para almoçar comigo.
Não falou muito. Preferiu escrever.
Gosto de o ler. Mesmo quando não concordo.
Com letras ilustrou o Alentejo com passagem nos salmonetes de Setúbal.
A beleza de cada recanto, a tranquilidade respirada, a generosidade da Natureza. O pequeno paraíso no despovoado Alentejo.
Concordo em absoluto ou não fosse o Alentejo a minha região preferida do país. Há a ligação familiar e depois há tudo o resto: as melhores praias do País, os sabores da tradição, as gentes mais sorridentes, o interior mais pitoresco, as recordações de tempos passados.
Os salmonetes de Setúbal comidos à setubalense também já cá cantam. Dão muito trabalho para a minha agilidade peixe-espinhas-faca-comida-arrefecer-camisola-nódoa, mas o sabor compensa o "esforço".
Enquanto juntava as letras que me escrevera, sentia-me mais perto de casa, com o Sado na janela e o Alentejo do outro lado.
Na aparente harmonia em que me deixara, resolveu perguntar-me:
"Como pode alguém viver fora de Portugal?"
Acordei das memórias. Em sobressalto inspirei duas vezes e pensei na resposta.
Novas experiências? Evolução pessoal? Crescimento profissional? Contacto com o 1ö mundo?
Será isto Miguel? Ou será a simples vontade de conseguir comprar um Monte aí ao lado desse onde escreves estas palavras?
Não sei. Talvez um pouco de tudo para não ser hipócrita.
Sair do País de origem nunca é fácil. Pode ser bom, necessário ou imperativo, mas não me parece que alguém o faça "só porque sim".
Por muito que se tente atenuar a distância, ela está lá e não há nada, rigorosamente nada que compense essas lágrimas.
Gosto de te ler, mas imaginar-te a ver o céu estrelado no teu monte alentejano enquanto divagas: "Como é possível alguém viver fora de Portugal?", dá um pouco aquela sensação de não perceberes o mundo em que vivemos, tão pouco o País que temos.
A corrupção dita leis, as oportunidades distribuem-se por meia-dúzia e os lobbies governam. Tu bebes o tinto à lareira e perguntas: "Como é possível..."
Eu também gosto muito de Portugal e ainda gostaria mais se tivesse crescido ao longo destes 20 anos com os sucessivos quadros de apoio da UE (como Espanha por exemplo). Nesse cenário, teríamos desenvolvido a nossa economia, criado empresas e emprego. Eu e uns quantos milhares mais poderíamos ter desenvolvimento pessoal e profissional, aumentos superiores a 0% e não sorrir apenas porque: "vá lá, vá lá...ainda temos emprego."
Em resposta à tua pergunta Miguel digo-te que sim, é possível.
Mas custa e inclui lágrimas.

3 comentários:

catarina disse...

nao era isso que o miguel queria dizer. eu conheco-o. nós damo-nos bem. eu, ele e a mae, somos um trio estranho mas inseparável. e conhecemo-nos. ele esqueceu-se do "para sempre" na frase. como pode alguém viver "para sempre" fora de Portugal? ele esqueceu-se. eu entendo-o: para sempre custa muito dizer. é muito tempo todo junto nas mesmas duas palavras. também eu me esqueco, por vezes, de dizer para sempre. de propósito. para sempre é muito tempo. como pode alguém viver para sempre fora de Portugal? nao sei. sei como se pode viver fora de Portugal. e ele também sabe. foi ele que escreveu o Sul. o que nós (eu e ele) nao sabemos é como se pode viver para sempre fora de Portugal. por isso é que voltamos. voltamos sempre.
fica um aperto no peito.
e a sensacao que nunca mais voltaremos a ser inteiros nem dentro do nosso próprio país.
porque deixamos um bocadinho de nós bem guardadinho, escondido na toca de um urso, para ninguém lhe poder mexer.
deixamos um bocadinho de nós e a promessa que voltamos. voltamos sempre à toca do urso.

mas o para sempre, esse grande maluco...
esse ainda é face ao douro.

Tiago Franco disse...

Eu percebo-te :)

Nuno Sousa disse...

Pra um alfacinha a tua descrição aqui do"Alentejo cosmopolita" tá gira !!! Saudades da Av. Luisa Todi ? Da vista para o Sado ??

A tua descrição da cidade é... de recordação; pois pra mim Setúbal ou Labutes é uma cidade perdida entre Lisboa e o Alentejo... têm os seus encantos certamente, mas já não encanta quem já cá vive há uns anitos !!!

Agora olho pela janela, são 22:50 e chove a potes ( tenho a Arrábida ao fundo... )

Poupa €€ e volta com a mala de cartão pra teres o tal monte, pra nos juntarmos ... assades und mines !
E traz a gostosona, né !!! ,-)

UM ABRAÇE AQUI DO XARROQUE