Escrevo sozinho, como se o fizesse para um diário, mas por vezes esqueço-me que isto é um espaço público e que quem lê pode não interpretar como eu penso na altura de articular as letras.
A escrita traduz tudo. A tristeza passa, a alegria é notada, a euforia saloia não consegue ser disfarçada.
O colorido das palavras tende a reflectir o estado de espírito. Quem me conhece, "ouve-me" enquanto está a ler, quem não sabe quem eu sou, imagina um personagem. É o que eu faço quando leio textos na blogosfera. Crio os meus próprios personagens.
Claro que existem problemas neste mundo virtual. Se estiver triste ou procupado porque rebentou um carro armadilhado perto de casa e não comentar, tudo fica na mesma, mas se o escrever já sei que vou receber um telefonema da minha mãe a perguntar se tenho as duas pernas. É natural neste "mundo de partilha".
A verdade é que apesar de nem sempre o achar correcto, sinto mesmo a necessidade de escrever, relatar, desabafar, como se estas linhas encerrassem algo só meu e me permitissem lavar a alma.
Se algo me revolta, se algo me aborrece, gosto de usar a terapia da escrita. Nada muda, nada se altera. Mas eu sinto-me mais leve e talvez seja egoísta da minha parte pensar assim, mas ajuda-me.
Isto tudo para dizer que sou rancoroso. Não quero, não gosto, mas tenho que o admitir. Se algo me desagrada fico a matutar e não há forma do pensamento me abandonar. Posso ultrapassar, posso até ignorar mais tarde, mas jamais esqueço e de tempos a tempos, o desagrado volta.
(agora mudem de blog, porque vou carpir algumas lágrimas e desabafar para a tela...)
Tenho consciência da tarefa que abracei quando vim para aqui. Trabalho como consultor e a minha empresa usa-me para tentar entrar num mercado até aqui desconhecido para eles. Por um lado tenho que ter um bom desempenho e provar ao cliente que a minha empresa deve cá estar e por outro lado tenho que provar à minha empresa que fizeram bem em contratar-me lá atrás do sol posto. Compreendo que o grau de exigência seja maior para um funcionário externo do que para um da casa. São as leis do mercado. Eu sabia as regras do jogo e aceitei-as. Não sou o tipo de pessoa de usar gravata (mas já passo as t-shirts!!), não tenho aquela pose idiota de serviçal e não estabeleço "distâncias de segurança". Dou-me bem com toda a gente, sorrio sem problemas e o facto de ser mais novo que a maioria dos meus colegas, não quer dizer que estivesse a vender choco em Setúbal ou tapetes em Arraiolos.
Até aqui, tudo correu bem e devo dizer que os meus dois supervisores suecos sempre foram atenciosos e socialmente preocupados com o meu bem estar.
Ontem, talvez estivessem num mau dia. Quero pensar que foi isso.
Há 8 meses comecei a "construir" uma aplicação que é hoje usada por todo o grupo GM. Não fazia ideia no inicio de como o fazer. Tive que dizer que sabia, que acontecia, que não sei quê e tal...é a outra lei do mercado, a de arranjar emprego.
Uma vez cá, recorri ao espírito português do desenrasca (toca a ler o manual antes que eles percebaml!!!) e tenho algum orgulho no que fiz passados 7 meses. Na Alemanha, EUA, Suécia, Espanha, Índia e em vários fornecedores como Siemens, Bosch, etc usam uma ferramenta de trabalho que fui eu que fiz. Envaidece-me e não me fica bem dizê-lo, mas não fazia a mínima ideia de como ultrapassar este obstáculo e sinto um alívio muito grande por ter conseguido.
Terminada esta tarefa, foi-me dito isto:
"Temos um equipamento melhor do mundo e arredores, faz pãezinhos quentes, tira bicas e ainda faz metade do trabalho do departamento. Há 1 ano que andamos a tentar torná-lo operacional mas ainda não conseguimos. Seria bom que o fizesses em 3 semanas."
O meu primeiro pensamento foi: "Se é tão importante porque é que não o têm a funcionar há mais tempo??".
Mas tudo bem. Toca a ler o manual e começar do zero. Este equipamento deve funcionar em cima de uma plataforma electrónica. No caso concreto em cima da plataforma que simula o Cadillac e na outra que simula o Opel Vectra. A máquina começou a funcionar ao fim de 15 dias na primeira plataforma.
A segunda plataforma, estava a ser contruída ao mesmo tempo que eu tentava perceber como funcionava o equipamento. Não era possível que funcionasse enquanto a construção não estivesse completa, o que aconteceu esta semana.
Ontem, pedi para sair mais cedo, pois queria inscrever-me nas aulas de sueco (entre outras coisas como a natural integração, não me sinto bem de estar nas reuniões de equipa e ter 20 pessoas a falar inglês só porque eu não entendo sueco). A esse pedido, o meu chefe respondeu:
"o que eu queria mesmo, era ter a máquina a funcionar o mais rápido possível, mas se o status da plataforma não te permite concluir o teu trabalho, então aceito que saias mais cedo".
Confesso que me custou a encaixar. Uma coisa é sorrir, outra é ser tomado por estúpido.
Agradeci e a morder os dentes respondi que iria para a bancada concluir a minha tarefa. As aulas ficariam para mais tarde. No fim do dia de trabalho, escrevi-lhe dizendo que tudo estava a funcionar e que a máquina estava pronta para ser utilizada pelo departamento. Tentei ser profissional e não mostrar qualquer rancor. Foi como engolir um sapinho.
Num mundo ideal eu diria:
"Aquela máquina cujo botão de on/off procuras há 1 ano, está a funcionar, 2 dias depois da plataforma ter ficado pronta. Já poderia estar há mais tempo se te dignasses a ler o manual em vez de parares 3 vezes por dia para café e passares o restante tempo a fazer tabelas excel com planeamentos de tarefas que não fazes a mínima ideia como se executam!!"
Eu não quero palmadas nas costas, mas não suporto injustiça.
Tudo o que me foi exigido até hoje foi entregue sempre antes de tempo e nunca disse não a nada. No total tive 15 dias de férias, quando todos os meus colegas tiveram 5 ou 6 semanas. Nem quando o meu pai aqui esteve fiquei em casa. Qualquer sueco tiraria essa semana para a família, a anterior para preparar e a seguinte para relaxar. A partir das 14h começam a sair, precisam dum dia todo para preparar um mail onde devem dizer "sim" ou "não". Se estão com stress vão para casa, se são 14.30h é melhor "falarmos amanhã", se me pedem algo para a semana seguinte eu entrego no dia seguinte.
Não sou perfeito, longe disso, mas tenho a consciência que me tenho esforçado o mais que posso e quando olho em volta, não tenho problemas em dizer que ando bem mais depressa que a maioria. Eu sei que sou obrigado a isso por ser estrangeiro e por pertencer a uma empresa externa. Mas porra, ninguém me está a fazer caridade...eu faço mais do que suficiente para justificar o meu salário.
Um bocado de respeito e consideração não fica mal a ninguém.
Fala comigo como se eu me estivesse a baldar ou a desleixar nas minhas funções?? Deu-me 3 semanas, 2 das quais com a plataforma completamente destruída, para algo que não fizeram num ano completo e queixa-se de quê?? Está pronto, está feito. Demorei dois dias desde que a plataforma foi finalizada. Sempre quero ver quando é que começam a usar a "urgência"!!!
Depois, chego ao meu sítio e lá do fundo da sala, o meu outro supervisor diz: "Tiago, anda cá!"
Foi tão rude, que o sueco que estava ao lado dele disse: "epá, nem sff??"
Cheguei lá e respondi a uma pergunta que um menino da 4 classe não faria...depois, no regresso, aquele "Tiago, anda cá!" bateu-me como um pica-pau durante todo o caminho para casa. Só faltava ter estalado os dedos e pedido um café....
Eu gosto de brincar, gosto de ambiente descontraído, mas aproximo-me de todos sem excepção com educação. Não faço sorrisos idiotas, mas falo com respeito e educação. O profissionalismo não nos obriga a andar como se tivéssemos engolido um garfo, mas obriga-nos a ser educados, ter respeito e ser justos.
Sinceramente, quero acreditar que estes dois colegas tiveram dias maus ou são simplemente bronhos e não pensaram no que escreveram/disseram.
Mas para mim a coisa fica mais difícil. Já não consigo olhar para eles com a mesma simpatia e isso é que me chateia, não tenho jeito para não gostar de alguém.
Mas sou rancoroso, o que posso fazer?
Ps - mãe, só tu deves ter chegado aqui, por isso fica o resumo: não te preocupes porque não estou a chorar nas paredes. Fiquei irritado, desabafei ontem e aqui. Mando umas valentes broas da boca para fora e já me sinto melhor. É a chamada terapia de grupo.
11 comentários:
Eu tb cheguei até ali e tb levo desses encontrões muita vez! Mas depois digo uma corrente de palavrões daqueles mesmo escabrosos (em surdina, claro) e fico logo mais satisfeita! :)
Sim, em surdina também disse pelo menos 10 formas originais de ele usar a máquina-tira-bicas :)
eu tb cheguei até aqui... não trabalho na Suécia, mas directamente com eles e com muitos dinamarqueses e irrita muito ter a sensação que resolvemos tudo sempre com bom ar e sorriso, quando no fundo somos muito "maltratados"... o out of office a dizer que tiraram a tarde ou o resto da semana tira-me do sério... a parte do "rancoroso" tb encaixei... e costumo gritar muito com o portátil.... funciona!! Mas se tivesse perto acho que lhes batia...
Sóp aramos de aturar coisas dessas (e outras bem piores, eu que o diga!), quando trabalhrmos para nós, e não para os outros.
Quando for grande, rica e poderosa quero ter a minha própria empresa ;)
Acho mesmo que foi um dia mau. Apenas isso.
Hoje os sorrisos voltaram, a simpatia também e sinceramente, recebi uns elogios inesperados e bastante agradáveis.
A sensacão desagradavel de ontem fica guardada na gaveta dos "rancores", não a esqueco, mas ultrapasso-a. Não o fazemos todos?
Diz palavrões, dá murros na almofada, conta até 10/100/1000... Tudo passa...
Dias melhores virão e as coisas boas ajudam sempre a esquecer as menos boas...
também já passei por isso... nunca me vou esquecer do dia em que o meu ex-patrão se virou para mim e me perguntou se eu tinha noção de quem facturava na empresa. eu, ao contrário de ti, não consegui controlar-me, respondi-lhe prontamente:
- obrigada por me pagar a mesada!
e virei costas!
não, não fui despedida, saí da empresa um ano depois. não conseguia aguentar mais o desprezo pelo meu trabalho... acho que não há dinheiro nenhum que pague o reconhecimento pelo nosso trabalho.
Tiago o importante é tu teres a tua consciencia tranquila do dever cumprido,na vida por vezes temos de engolir alguns sapos, embora eu também não suporte tais atitudes, sendo elas injustas,mas deita tudo para trás das costas, curte o fim-de-semana e vais ver como segunda-feira já estás melhor. e se realmente a tua terapia é escrever estás á vontade pois sabes que pelo menos uma pessoa todos os dias le o que escreves,pensa só que foi um mau dia e já passou, a vida continua e é bela demais para que um episodio ridiculo te ponha triste e revoltado. boa noite beijocas e relaxa.
Ana
Não foi só a tua mãe que leu o post até ao fim. Realmente o que mais irrita não é quando nos insultam ou nos chamam nomes, é quando o fazem indirectamente e sob um sorriso hipócrita. Tens a desvantagem de não poder, ou não dever, responder. Mas tudo se aguenta e por fazeres bem o teu trabalho aproveitas para dar o estalo de luva branca. Tira partido do facto de mais ninguém falar português e usa todo o nosso belo vocabulário para insultá-los com um sorriso de orelha a orelha :P
Boa sorte para o trabalho Tiago, não ligues a mal-amados :)
Há mais portugueses por aqui (mais 1, de Cascais :)), mas não gosta do meu chefe, por isso posso soltar o verbo de Camões sem procupacões.
Obrigado pelas mensagens, especialmente pela tua mãe.
atrasada uns dias, mas tb cheguei.
n há nada como sorrir sempre, as relações gerem-se tb com sorrisos, temos que os saber observar..
;)
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