sexta-feira, setembro 22, 2006

A língua

"O Tiago tem sempre a resposta na ponta da língua", dizia a professora que me mostrou pela primeira vez uma régua Molin de 50cm, algures na 3ä classe.
Ela não se referia às respostas sobre o conteúdo do programa de ensino, mas às respostas (tipo..."nhanhanhanha") que eu não conseguia conter.
Na altura pensei que isto fosse um elogio. 20 anos depois percebi que não.
Essa professora, que diariamente me dava boleia para a escola e cujo nome infelizmente não me recordo (o que me fica bastante mal diga-se, mas tive uma diferente em cada ano), deve ter dito ao meu pai:
- "Já reparou como o seu filho responde tão rápido, principalmente se for uma assunto extra-programa?"
...e mais tarde ao marido:
- "Chato...e irritante!!!Hiiii que miúdo chatooo!!"
Ela tinha razão e os anos seguintes provaram a sua sábia tese.
Não há nada que eu goste mais do que falar. Não suporto o silêncio.
Eu sou aquela pessoa que engole sem mastigar para não perder minutos de conversa.
Os meus familiares acompanharam o meu crescimento com o seguinte espírito:
2 anos - "Que giro, diz tantas palavras!"
6 anos - "Que engraçado, até já manifesta opinião"
8 anos - "Fala tanto. É sempre assim?"
10 anos - "Chatinho, é um bocadinho chatinho"
12 anos - "Onde é que se desliga?"
De quem terei apanhado isto? Penso eu tantas vezes...
Desconfio sempre do meu pai. Ele fala pelos cotovelos, mas é mais paciente. Lembro-me que nos nossos pequenos almoços de fim-de-semana, nas alturas em que os 4 falávamos aos mesmo tempo, tentámos instaurar uma assembleia democrática e nesse contexto cada um colocava o braço no ar, esperando a sua vez de falar. Os temas em discussão eram sempre apaixonantes (para mim pelo menos) e para ser sincero, ficava pior que estragado quando não conseguia falar. Já o meu pai esperava em silêncio repetindo de 5 em 5 min ao "presidente da mesa": "já chegou a minha vez?" . Normalmente a resposta era "não", mas quando a vez dele chegava, 30 min no mínimo estavam garantidos. Falava, falava, falava...mas mastigava e não parecia tão sôfrego como eu.
Para mim, a pena capital é queimar a lingua ou meter muita comida na boca.
Divido as pessoas em dois grupos. Aquelas com que consigo almoçar sozinho e as do grupo "pois é".
Com as primeiras a coisa corre assim:
Eu: "blablablablablablablablabla"
Ele/Ela: "blablablablablablablabla"
Eu: "Ah sim?"
Ele/Ela: "Sim e blablablablablablablabla"
Eu: "Isso quer dizer que blablablablablablablabla"
Ele/Ela: "Exacto e foi por isso que eu blablablabla"
...e por aí fora durante horas.
Com as segundas:
Eu: "blablablablablablablablabla"
Ele/Ela: "Pois é..."
Eu: "Mas não achas que blablablablablabla"
Ele/Ela: "É a vida..."
Eu: "(...)"
Ele/Ela: "Então e o nosso benfica??"
Eu: "Olha, lembrei-me agora que tenho que ir para Cacilhas a nado. Manda-me um mail para combinarmos algo, ok?"


No entanto, apesar de simpatizar mais com almas tagarelas como eu, a verdade é que não podem ultrapassar determinado limite, senão vão parar ao grupo "pois é" porque não as consigo ouvir.
Eu acho que é preciso ter uma lata fenomenal...ser chato e não querer aturar chatos. Mas é a verdade e quem diz a verdade não merece castigo.

6 comentários:

Anónimo disse...

A falar e a escrever, chiçççççaaaaa!

Sandrinha disse...

Fala, fala, fala....(ou escreve; escreve; escreve)que nós por cá adoramos!

"Tájá" vontade!

:o)

Bom fim de semana!

Anónimo disse...

Passado uma longa temporada sem visitar este ponto de encontro, como não podia deixar de ser, fartei-me de rir sempre imaginando a tua cara durante alguns dos episódios que tens retratado.

A escrita é irrepreensivel, digna de um autor com anos disto, e os episódios sempre engraçados.

Já eu, tento diversas vezes aproveitar este maravilhoso meio de comunicação para divagar sobre alguns episódios que a distância, amizade e saudade nos faz lembrar, mas nunca consigo. Sem saber pq, a lágrima tenta aparecer no canto do olho, e a seguir o medo da chefe ou um colega aparecer apodera-se de mim.

Sem perceber a razão, nestes últimos tempos, a amizade misturada com a distância dá nisto. Podia ser pior :). Felizmente resulta de muitos momentos bem vividos.

Um bem haja(como se diz neste Portugal) para este grande Guru da escrita, humor e amizade.

Bem, cá vou eu tentar escrever as letras, por vezes nos limiares da encriptação para tentar garantir a publicação deste testemunho :).

Anónimo disse...

Fiquei de facto fascinada com o teu blog. Descobri afinidades incriveis e completamente insuspeitas contigo. É impressionante. Vou voltar!

Marta

Tiago Franco disse...

Amizade, saudade e tempos bem passados normalmente dão nisso Tiago. Pelo menos comigo a lágrima é frequente. E ainda bem, lava a alma :)
1 grande abraço e até ao Natal (arranja lá folgas para ires ao "Contenênte")
Obrigado pelas tuas palavras.

Vivian disse...

Partilho a mma dor da tagarelice. Os familiares partilham-na tb :D

É bom saber que existe a associação dos tagarelas (quase) anónimos!