quinta-feira, dezembro 09, 2010

O Júlio



Tenho seguido com algum interesse o debate sobre o camarada Assange, as suas trapalhadas na cama com uma sueca qualquer e o seu WikiLeaks.
A direita pede forca para o rapaz, a esquerda reclama pela boa liberdade de expressão.
Nos Estados Unidos, como só existe direita (versão "cowboy" ou "cityboy"), o bom do Julian está, em português técnico, entalado.
Começo a ter alguma dificuldade para distinguir a esquerda da direita. Esquecendo os extremos, a coisa está a ficar muito parecida. Como aquela massa para bolos..."mexer até ficar lisa".
Gosto de pensar que me identifico com os valores da esquerda política. Pelo menos com aquela que me foi apresentada naquele verão quente de 68. Lembro-me como se fosse hoje. Debaixo do céu estrelado do Alentejo, um tecto numa casa impecavelmente caiada. Ao longe as luzes de Estremoz vigiada pela Santa Isabel. Lá dentro, molhando os lábios com Borba reparei que a camisa de flanela ainda tinha uma nódoa da última vinagrada. Manchado, juntamente com os demais companheiros, discutia a próxima edição do jornal. Um camarada recentemente chegado de França, a plenos pulmões e com um brilhozinho nos olhos, descrevia a revolução cultural que se vivia nas ruas de Paris.
Soares dava as melhores festas do "Quartier Latin". De Gaulle nunca era convidado e mandava a polícia de choque para "fazer a porta" e servir as caipirinhas.
Miterrand era um ás do tango e fazia furor. Já dizia o poeta que são precisos dois para "tangar". Soares foi parceiro. Ficaram "mon ami" para a vida.
Nós seguíamos cantando. E rindo ao que parece. Marcelo, que nunca conseguiu ler 3 livros ao pequeno-almoço, também era uma génio. Tal como o afilhado. Sem outros palcos para brilhar, inventou a "renovação na continuidade". Uma forma muito portuguesa de dizer "dolce fare niente". Fez escola.
Havia que mudar e informar as populações de que o sonho é possível de alcançar. A liberdade existe e começa na expressão. Tínhamos a próxima capa do Avante.
Levantei-me. Sacudi as migalhas de broa para o chão. Peguei na bicicleta e pedalei até à minha aldeia. Segui cantando. E com alguma esperança, fui rindo.
Se não era eu era alguém parecido.
Ou foi no livro "até amanhã camaradas"?
Sei que vi isto algures.
Maaaaaaas...voltando ao busílis do senhor Assange.
Estou dividido, apesar de ser um esquerdista convicto (o que é isso pá??).
Acho de interesse público toda e qualquer informação que divulgue ilegalidades cometidas, por governos ou particulares. Seja numa guerra, numa operação financeira ou numa eleição. É a utopia de um "mundo melhor". As torturas ilegais, os esquemas para sacar dinheiro público, as verdadeiras razões para as invasões de países soberanos, etc. Se destaparem este lençol, tudo bem. E a avaliar pelos esforços que os governos têm feito, diria que as informações são verdadeiras.
Outra coisa bem diferente é fragilizar um país ou um conjunto de países, ao revelar pontos vitais de comunicação e estratégias de defesa. Não consigo perceber qual é a vantagem de divulgar que um cabo de comunicação qualquer, perdido algures no meio do mar, está ligado numa pequena vila a norte de Amsterdão. Não entendo porque precisamos de saber onde têm os países bálticos escondidos os seus sistemas de defesa contra a Rússia e muito menos quero saber quais são as companhias e infraestruturas que em caso de ataque deixariam os EUA de gatas. É exactamente nestas matérias que o segredo é vital. E perdoem-me...nada tem a ver com a liberdade de expressão.
Ou seja, Assange amigo, se queres denunciar esquemas de corrupção, lavagens de dinheiro, invasões para sacar petróleo, guerras criadas pela industria do armamento, regimes fantoche da CIA e coisas dessas, estamos cá para te ouvir.
Se vais divulgar os pontos estratégicos onde escondemos os chaimites para precaver uma invasão espanhola, então, há que usar uma boa vara de marmeleiro para teres juízo.

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