Encontrei este texto do R.A.P na Visão. É tão bom, tão bom, mas tão bom que deveria figurar nos manuais de Português da 4a classe.
Esta do "dizer" é fresca. Se não me engano a primeira pessoa que ouvi com esse tipo de rebéubéu foi o menino guerreiro, aka Santana Lopes.
Faz realmente uma certa comichão ao nível do neurónio.
Contudo...e aqui faco uma pausa para respirar, nada, mas rigorosamente nada, bate na escala de "coisas mais irritantes que apareceram ninguém sabe de onde" essa bengala idiota que 95% da populacão portuguesa usa para iniciar uma frase. O já clássico "é assim".
Quando ouco alguém comecar o discurso por um "é assim" fico com os ouvidos tapados. Já não entra mais nada. É então altura de divagar e de me colocar uma série de questões enquanto olho para a outra pessoa, que fala sem som.
A mais importante: de onde é que apareceu esta merda?
Que bengalinha mais irritante...e não há maneira de pararem com isso. Parece uma praga.
E porque é que todos comecaram a usar esta expressão? Será que de um dia para o outro se esqueceram das outras 1000 formas, correctas convém acrescentar, que a nossa língua disponibiliza a construcão frásica?
Acho que é altura de as "novas oportunidades" do Sócrates olharem para este flagelo e oferecerem um módulo equivalente à 4a classe.
Dizer também que, é que é assim, mesmo assim, irritante como tudo.
"Em primeiro lugar, dizer que estamos perante uma nova moda linguística. Qual? Antes de mais, manifestar perplexidade pela falta de perspicácia do leitor. Há um novo modelo de expressão, divulgado sobretudo por comentadores televisivos, mas que, como tudo o que é bom, tem vindo a extravasar as fronteiras da televisão e a enraizar-se nos hábitos do cidadão comum. Se há coisa que o cidadão comum aprecia é a apropriação de chavões do discurso de profissionais da televisão, com destaque óbvio para os jornalistas desportivos. O cidadão comum está frequentemente em casa, munido de um bloco de apontamentos e uma caneta, a recolher uma vasta quantidade de "tudo fizemos", de "quando assim é", e de "apenas e só".
Começar frases com o verbo no infinitivo é uma moda recente mas pujante. Em pouco tempo, superiorizou-se a outras modas, também populares, como a que impõe que nenhum relato possa principiar sem a expressão "então é assim". E o sucesso da nova moda é tanto mais surpreendente quanto a sua origem: o mundo, frequentemente aborrecido, da análise política. A acumulação de casos políticos trouxe consigo uma previsível acumulação de comentadores políticos. Qual delas é mais perniciosa para o País? É difícil dizer. Mas é extraordinariamente simbólico que, por causa da crise, várias pessoas tenham sofrido: as pessoas que constituem aquilo a que antigamente se chamava o povo vivem pior, mas as pessoas do singular e as pessoas do plural também passam por dificuldades. Nunca mais se ouviu falar delas. A primeira pessoa do singular nunca mais falou. O comentador político do passado, que falava na primeira pessoa, deu lugar ao comentador moderno, que inicia raciocínios a dizer "dizer". Em primeiro lugar, dizer que a situação é complexa. Depois, dizer que o segredo de justiça tem sido vilipendiado. Para terminar, dizer que o procurador-geral tem estado tíbio. É, no fundo, o comentador-Tarzan. Mim dizer, tu ouvir. Trata-se de uma estratégia linguística que reduz ao mínimo as conjugações verbais. Para fazer comentário político, ninguém precisa de saber conjugar um verbo, o que acaba por ser democrático. Pela minha parte, aprecio qualquer observação política que faça ainda mais sentido se lhe acrescentarmos, no início, a expressão "grande chefe índio". Grande chefe índio dizer que a situação é complexa. Grande chefe índio dizer que o procurador-geral tem estado tíbio. Parece mesmo que vivemos no faroeste. Ora aqui está como a forma de expressão pode produzir conteúdo."
1 comentário:
A mim revolve-me as entranhas a expressão: "e quando assim é"... Aliás, já escrevi isso aqui: http://assimmeencontro.blogspot.com/2008/02/dios-de-estimao-3.html
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