Primeiros dias em Estocolmo não trazem nada de novo. Confirmo a beleza da cidade e imagino-me a passear com o Diogo junto ao mar que invade cada ilha.Tenho a certeza que ele gostará de visitar a capital sueca. Ainda procuro a primeira pessoa que não tenha ficado encantada com esta cidade.
Constato também que viver no centro e trabalhar nos subúrbios foi um pequeno golpe de sorte. Olhando para o outro sentido da auto-estrada lembro-me sempre da segunda ponte do Feijó. Não sei porquê…
Vejo fotografias e videos. Repetidas vezes. O miúdo é um espanto. O que me dava mesmo muito jeito era um par de bracos com 550km.
No trabalho também não há grandes surpresas. As costas já se vão habituando ao esquema.
Se há coisa que a experiência vai ensinando é que o primeiro dia em qualquer novo projecto indica logo o nível a que está o lamacal. Este é o pior onde já entrei e nem de galochas lá vou...
Sento-me e olho à volta. Várias bancadas de trabalho com cabos eléctricos fontes de alimentacão, computadores e muitos fios espalhados. Numa delas estou eu.
Há claramente aquele ambiente de “aqui cria-se qualquer coisa”.
Os meus novos colegas são bastante simpáticos. A empresa cliente em questão é a Danaher Motion, uma multinacional americana que faz de tudo um pouco, desde que mexa e tenha corrente eléctrica.
Comecam a explicar-me o projecto e a parte onde eu entro. O producto é uma “caixa” de 20x20cm que gera corrente eléctrica com fartura. Ao fim de 1h de conversa senti-me naquelas aulas de electrónica onde constantemente pensava “mas onde é que eu usarei isto na minha vida profissional??”. Acho que na altura ainda sonhava com uma carreira no jornalismo ou na advocacia. Aqueles episódios do Perry Mason deixaram-me a pensar que uma sala de tribunal era como um relvado com balizas de 7m. Mas parece que não.
Depois de todo o beca-beca sobre aquela alta tecnologia perguntei ao meu simpático colega: “mas onde é que esta caixa vai ser usada?”
Aí, orgulhoso, ele puxa de uma miniatura.
E miniatura de quê perguntam vocês?
De uma monta-cargas. Daqueles com garfos para carregar paletes no Continente.
Ao que o mundo chegou...alta tecnologia para baixar e levantar caixas. Por mim tudo bem. Missão é missão. O Bond também não se queixa para onde o mandam desde que leve sempre os brinquedos do Q. Comigo é igual mas sem as Bond Girls.
Tento estar concentrado e apanhar rapidamente tudo. A primeira mensagem foi “estamos atrasados” e a segunda “não há tempo a perder”. Citei Camões dizendo “não preciso que me assobiem para ir beber água”. Um clássico dos Lusíadas.
O mote estava dado.
Comecei a aumentar o ritmo porque, aqui para nós, quanto mais depressa acabar a pintura, mais depressa aperto o pequeno Buda.
Surgiu aí o primeiro entrave. E como adoro ver tudo engatado no primeiro dia…
O meu colega, aquele com quem trabalharei directamente e que me está a passar informacão, tem um problema na fala. É uma jóia de pessoa, mas mastiga a língua a cada duas palavras. Comeco também a reparar que vou completando a coleccão de cromos nesta passagem pela Suécia.
Desde o Banji que fazia “poc” no fim de cada frase, ao Wally que cheirava a esgoto às 9 da matina, passando pelo lavrador que cocava os pés enquanto bebia leite pelo pacote na sala de reuniões da Volvo, vou adquirindo um know-how bastante interessante no que toca a espécies raras.
Este rapaz é um caso diferente. É asseado e muito boa pessoa, e por isso até tento ajudar completando as frases…mas é complicado manter pose de estado.
Ele comeca uma frase, diz duas palavras, fecha os olhos e comeca a enrolar a lingua, polvilhando então com duas a três dentadas na mesma, sempre em silêncio. Arranca mais três palavras e nova mastigadela. Silêncio. É como se estivesse a ouvir código morse. Barulho longo. Silêncio. Barulho curto. O tempo de silêncio entre mensagens depende do número de vezes que ele massacra o escalope.
Acho que não preciso explicar que só ao fim do dia é que percebi que o producto final é um monta-cargas. Entre circuitos eléctricos, protocolos de comunicacão, software e estratégias de implementacão, arranjámos palha para umas boas 2 horas, que neste caso, resultaram em 6h.
Agora é vestir o fato-de-macaco e comecar a tocar concertina. Quanto mais depressa acabar, mais depressa estou com o Diogo.
Sexta-feira e Gotemburgo estão já ao virar da esquina.
2 comentários:
Ora aí está, pensamento positivo e os dias passam tão mais depressa!
Um abraço
Helena
Pede-lhe para cantar!!!
Dizem que assim ele não enrola a lingua!! ;) Lollolol
Força nisso!!!
JoãoS
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