terça-feira, janeiro 13, 2009

1927 - 2009


Divido as pessoas em dois grupos: bom coracão, mau coracão.
Não deixa de ser uma análise simplista, mas é a única que consigo fazer.
Aos primeiros ofereco amizade. Com os segundos não passo do café.
O meu avô, entre defeitos e virtudes, encaixa bem nos primeiros.
Poucas palavras, poucas emocões e toda a mensagem num sorriso ou num olhar.
Para quem o quis perceber, sempre esteve lá a informacão. Era só olhar.
Nem sempre concordámos.
É que ele era teimoso....
Eu não.
Mas ele sim.
Acho que era esse o sal da coisa.
Uma boa troca de argumentos até o convencer a fazer o que eu queria.
No fim tudo ficava resolvido com um sorriso.
Respeito e carinho.
É o que normalmente acontece quando se gosta de alguém apenas, porque sim.
O meu avô resolveu afastar-se.
Para sempre.
Na minha cabeca parece uma ideia sem sentido.
Desde que o conheco que ele é velhote.
Não era suposto continuar assim sempre?
Entretanto percebo que há 20 anos eu achava que pessoas com 50 anos eram já muito velhas. Parece que não é bem assim...
Hoje já acho que até aos 100 é a contar.
De qualquer forma, acho que só há poucos anos, durante um benfica-porto na Luz, me apercebi que o meu avô já não podia tirar o cartão jovem.
A claque do porto estava a jogar ao elástico...ou seria a partir montras? Já não me lembro...
Mas devia ser bom, porque os senhores a cavalo e de cacetete em punho resolveram jogar também.
No meio da confusão, tive que carregar o meu avô, uma vez que, como ele dizia "as pernas já não querem".
Depois de partir para a Suécia, convenci-me que os nossos reencontros seriam eternos.
Também me enganei.
Não tenho por hábito homenagear aqueles de quem gosto quando partem.
Falta-me essa costela lusa.
Tenho antes o hábito de os valorizar enquanto a vida dura, enquanto nos podemos olhar.
Foi o que fiz.
E por isso sinto saudades.
Mestre Zé, obrigado por cada sorriso, obrigado por cada anedota, obrigado por seres amigo e obrigado por cada minuto. Foi muito bom.
À Tua.

5 comentários:

Anónimo disse...

Sinto muito pela tua perda.

Para além dos nossos pais, os avós são o que de melhor temos.

Também a minha avó partiu à pouco tempo, e deixou saudade. Não pelo que ficou por fazer ou dizer mas pelo que nunca mais vai ser dito, partilhado, sentido. Fica a ausência...

Ao teu avô, à minha avó e a todos os avós. Eles partem, mas a memória e a saudade ficam.

Adeus avó. Até sempre.

Inês disse...

É uma injustiçam que não possam viver para sempre. Beijo, Tiago.

Folha Caída disse...

Tenho acompanhado o teu blog. Porquê? Não sei. Ou sei. Gosto do que escreves e como escreves.
O teu avô partiu?
Sim, partiu, mas foi só fazer uma viagem, não foi? Uma viagem que todos nós um dia faremos. Mas o que importa é que sintas por ele sempre aquela saudade… Sinto por ti.
Tomo a liberdade de te mandar um poema

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Carlos Drummond de Andrade

Sandrinha disse...

À vossa!
um abraço apertado!

Anónimo disse...

Sinto por ti, meu querido irmão.
A verdade é que por mais vezes que nos digam ou que nos tentemos convencer que é mesmo assim, que a morte faz parte da vida, é nestas alturas que esse conceito faz menos sentido. Porque na dor da perda de alguém que amamos, a emoção apodera-se da razão e faz-nos perder o rumo...
Mas como a vida também tem destas coisas - muito de ironia - agarra-te não à morte, mas à vida que dentro em breve te iluminará inclassificavelmente para sempre.
É um novo ciclo que começa...
Adoro-te!
Beijos,
Carolina.