terça-feira, setembro 25, 2007

A grua


Há que dizer que não sou o emigrante normal.
O meu carro é muito mais velho e barato do que aquele que tinha em Portugal, não existe um sítio a que possa chamar a minha aldeia, não vivo num minúsculo caixote para poupar dinheiro, não penso construir uma vivenda no futuro e se algum dia tal me passar pela cabeca, os azulejos ficarão na loja. Quando me perguntam o que faco não recorro à palavra "chefe" para qualquer descricão.
Contudo, tal como qualquer emigrante que se preze, gosto muito do meu país. Não vejo flores onde elas não existem, mas adoro o nosso cantinho à beira-mar plantado.
Talvez seja por gostar tanto de Portugal que a cada regresso fico deprimido com coisas que outrora não me diziam nada.
Mal saio da Portela a primeira coisa que faco é contemplar o azul do céu. Não há luz como a de Lisboa.
Assim que baixo um pouco a cabeca comeco a contar gruas. Facam esse exercício. Estejam onde estiverem, digam-me se conseguem olhar à volta e não ver uma única grua. Deve ser difícil.
A zona da expo é um bom exemplo. Perto do rio, com alguns espacos verdes e zonas de passeio, era no início um bom projecto. Há 10 anos que as gruas não abandonam aquela área e por esta altura há expo até sacavém. Os caos urbanístico reina totalmente. Não há qualquer limite para a construcão.
Telheiras também é outro caso engracado de analisar. Um arquitecto holandês de renome já classificou a zona como um caos. Para nós é apenas uma das zonas mais caras da cidade, onde estar na sombra de prédios e entalado entre vias rápidas, pode ser de alguma forma um luxo.
Dentro de Lisboa há prédios a cair em ruas históricas e construcões novas um pouco por todo o lado. Recuperacão do parque habitacional existente não é nula, mas anda perto.
Fora de Lisboa a situacão ainda piora. Escolham uma auto-estrada de acesso à cidade. Qualquer uma. A paisagem é igual. Quilómetros e quilómetros sem nada e de repente um amontoado de prédios alinhados em todas as direccões da rosa dos ventos, velhos, sujos e feios. Há medida que estes morros de cimento vão envelhecendo, opta-se pela política de "deixa cair" e contrói-se um novo morro um pouco mais longe de Lisboa. Esta estratégia (ou falta dela) serve apenas para encher os bolsos aos contrutores civis e não melhora em nada a situacão dos habitantes. Ninguém quer viver numa casa velha, ninguém quer comprar uma casa velha.
Uma casa nova hoje, deixa de o ser ao fim de duas décadas sem cuidados. Não é preciso ser muito esperto para compreender que este ciclo vicioso destrói a imagem do país (sim, porque não se resume à grande Lisboa), incentiva os pedidos de crédito e alimenta construtores que sem estes atentados ao PDM já teriam há muito fechado portas.
Detesto a conversa do "lá fora é que é", mas a verdade é que a comparacão ajuda-nos pelo menos a perceber a nossa realidade.
O prédio onde vivo em Gotemburgo tem mais de 70 anos e não é dos mais velhos. Não vejo uma grua na cidade e as pessoas vivem em casas que podem ter até 200 anos! Não estão a cair de podre. São recuperadas e conservadas ao longo dos anos.
Com isto preserva-se o estilo da cidade e optimiza-se a ocupacão das casas. Não há apartamentos vazios! Não há cimento a engolir cada canteiro.
A contrucão é permitida em zonas muito específicas e em quantidade reduzida. Não se destrói nada e não se alteram PDM's consoante as luvas ou financiamentos a partidos de construtoras.
Lisboa é uma cidade lindíssima, é verdade. Só não sei até quando.

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