sexta-feira, outubro 06, 2006

O céu

Já há algum tempo que não experimentava esta sensação.
Olhar para cima e não ver o azul do céu, o dourado do sol ou os contornos das nuvens.
Gosto de um "céu definido". Daqueles onde se percebe o fim de uma nuvem e o início de outra, sempre com um fundo azul celeste. Como aqueles que todos desenhámos no jardim escola. A árvore em cima de terra castanha e de copa verde, as nuvens gordas e esponjosas e o sol, sempre no cantinho da folha, de amarelo pintado e com um sorriso radioso. É esse o céu que gosto.
Nunca parei muito tempo a pensar nisso. Talvez porque toda a vida vivi debaixo desse céu e nunca lhe dei a importância devida. Será por isso que todos o desenhávamos da mesma forma? Teríamos todos a mesma "musa"?
Por esta altura do ano, quando o sol nasce já eu estou a meio caminho do trabalho. Hoje esperei, esperei, mas nada. Não apareceu de manhã, não apareceu na hora de almoço e já não aparecerá. Todo o dia debaixo de uma cortina de cinzento.
O verão foi anormalmente longo para estes lados e já me tinha habituado ao sol novamente. Deduzo que seja a chegada do frio e do tempo mais escuro, anunciado nesta obscura cortina que mandou o sol para outras paragens. Talvez por isso me tenha lembrado do "meu céu", talvez por isso constate como são importantes alguns detalhes a que nunca liguei. Tudo parece mais fácil, alegre e feliz quando acompanhado pela luz.
A adaptação, a verdadeira integração neste novo espaço geográfico acontece quando as diferenças são marcantes. A chuva, a neve e o frio, obrigam a uma busca de actividades nada comuns para um europeu do sul. Todos têm os seus "hobbies", de forma a enfrentarem as longas estadias caseiras no período que se aproxima. É normal coleccionarem carros com mais de 50 anos e passarem o inverno enfiados nas garagens a brincar aos "bate-chapas". Não é o meu estilo sinceramente. Ainda me lembro da cara de espanto (e estupefacção!!) do meu pai quando abrimos um "capot" de um carro pela primeira vez e eu não sabia qual era o cabo do acelerador. "Como é que não sabes??", perguntava ele. Eu sou aquele tipo de homem que quando o carro tem uma avaria não vai a correr abrir o "capot" e olhar para o motor com cara de caso. É indiferente fazê-lo ou não. Depois, tenho a certeza que o melhor que conseguiria era partir algo, o que também não ajuda. Sinceramente brincar aos "bate-chapas" não me seduz. Até sou "caseiro", até gosto de "engonhar" pela casa, mas quantos livros de podem ler, quantos filmes se podem ver, quanto karaokes se podem cantar na playstation antes de ficar farto?
Eles têm as rotinas já definidas porque toda a vida viveram assim. "Não há mau tempo na Suécia, só há roupas inadequadas", dizem eles. Se chove vestem o fato impermeável e vão fazer jogging, vão para os ginásios ou usam um casaco melhor para andar na bicicleta. Se neva, tiram os skis to armário e vão andar à volta de casa. Adaptam as acções do dia ao que o dia lhes permite. E depois, acho-os "rijos". Não se encolhem com a chuva, com a neve ou com o frio. Os putos deixam de "chapinhar" nos lagos e passam a rebolar-se na neve. Ver tudo isto é muito giro, mas não tão fácil de "seguir".
É como se o último passo ficasse por dar. Eu acho que a verdadeira integração numa sociedade passa por adaptar como próprios, os costumes locais. Se eles fazem algo com uma camisola para combater o frio, eu farei com duas, mas não deixarei de fazer.
Sou normalmente optimista e penso em tudo antecipadamente aí uns.....bem uns.....epá....3,4 seg antes de acontecer. O que significa que sabendo de antemão o frio que iria enfrentar, pensei sempre: "Na altura desenrasco-me". O primeiro inverno foi passado no "quente" de casa, tipo urso polar. Cheguei em fevereiro e só queria tentar fugir do frio. Agora, já o enfrentarei de uma forma mais tradicional, não abdicando de actividades exteriores.
Há pouco tempo uma amiga perguntava-me se já me tinha arrependido de ter saído de Portugal. Honestamente, continuo a achar que não existe o sítio perfeito. Por muito que procure, haverá sempre algo que não me agradará. Mais por defeito meu do que propriamente do local. Por aqui, os ventos frios do norte são certamente o que mais me desagrada e o que mais pesa no lado "mau" da balança. Contudo, ainda não chega sequer para equilibrar com o lado "bom" da balança, que dia após dia me vai provando que o frio até se aguenta e é um mal menor.
Apesar disso, não deixo de notar como o cinzento do dia altera o meu estado de espírito, deixando-me mais melancólico e triste. É também uma sensação nova, a que terei que me habituar. Em Portugal, por ter um céu tão radioso e uma quase constante luminosidade, nunca percebi a sua influência no meu bem estar. Aprendi a dar-lhe valor, o que já não é mau.

10 comentários:

Anónimo disse...

Eu percebo-te bem... também já morei no Norte da Europa e não posso dizer que me tenha dado mal com as temperaturas. O que me deixava mesmo triste eram os dias cinzentos e escuros, porque isso se refelctia no meu estado de espírito. Não bastasse a distância e tudo o que de menos bom ela trazia consigo...

Não há como ou porque decidir se A é melhor que B. O melhor sítio é aquele onde nos sentimos felizes mesmo com o cinzentismo todo lá fora ;)

E já agora... hoje o dia também está bastante cinzento e tristonho por aqui...

Bjinho*

(ainda em relação à tua questão de ouvires rádios portuguesas a tantos milhares de distância, o melhor é ires mesmo ao site: cotonete.iol.pt Talvez já o conheças, mas lembrei-me desta achega :)

Tiago Franco disse...

Muito obrigado :)
Bom fim-de-semana!

Inês disse...

Não há nada como o nosso Sol! Neste cantinho à beira mar plantado ele brilha como em nenhum outro lado :) Somos uns privilegiados!
Mas olha para o lado positivo.. Podes usar aquelas coisas que se põem nas orelhas (parecem uns phones com pêlo) sem pareceres ridículo :D
Bom início de Inverno ;)

Anónimo disse...

Eu já morei na Noruega e sei o significado da palavra saudade, mas de facto, os nórdicos tem uma maneira de estar na vida absolutamente fantástica!
.....................-.'.....'.-.
...............-(........../.....)-.
............./.....'....oOo...'.....
..,...........--.oOOOOOo.-'-./.
..|..,.....(..'..:oOOOOOo:...’).
._./|...../'--'oOOOOOo'-'-'.
.'-...;/|...........''oOo''......./.
..--`'..:/|..'-(...../.........)-.
..'--..`../..//..'--'.__.'--´.
....`'-,_';//.
...........'(( .
............. .
............... . Um abraço da,
................ . Daniela

Sandrinha disse...

É impressionante... só damos o devido valor a algumas coisas quando já não as temos como garantidas, como nossas, presentes todos os dias!
Mas tenho a certeza que tu mais cedo ou mais tarde vais conseguir dar a importancia devida a num simples floco de neve!

Nico disse...

Tiago, eu sei exactamente como te sentes, aqui na America os dias estao sempre cinzentos e escuros, e fico sempre com saudades de Portugal, mas como eu sei a maneira de tu seres, tu vais encontrar felicidade em qualquer parte do mundo,Um abraço, Nico.

Susana Guerreiro disse...

E eu gosto do que escreves.
Continua.

Anónimo disse...

É preciso saber tirar proveito de tudo, até do céu cinzento. Se o Verão é bom, o Inverno também tem a sua beleza. Nos meses de Janeiro ou Fevereiro, costumo rumar para a ilha de Santa Maria para me refugiar na casinha do Norte durante uma ou duas semanas. É dormir, ler, ouvir música, passear pelos pastos quando o tempo o permite, reflectir e esquecer que existem telefones e mundo para além daquela ilha. É muito agradável ouvir a chuva bater nos vidros das janelas, ouvir o vento, principalmente se estiver a lareira acesa. Ouvir o crepitar da madeira, relaxar a olhar para o movimento aleatório das labaredas enquanto saboreamos um Madeira, um Porto ou um Moscatel de Setúbal. É claro que ao fim de algum tempo, sei que a SATA coloca-me novamente na Portela e no dia seguinte estou no El Corte Inglês a ver uma sessão de cinema. Passar três meses de Inverno não é fácil em lugar nenhum. Aproveita para estudar sueco. Acredito que com a tua imaginação vais saber ocupar o tempo.

Tiago Franco disse...

Não existe céu como o português, sobre isso não me restam grandes dúvidas. Não será um dia mau que me abate e certamente arranjarei forma de enfrentar as dificuldades que se avizinham. Mesmo que sejam mais de 6 meses (3 meses seriam óptimos pai :)) com temperaturas "fresquinhas" estou certo que as saberei aproveitar das melhores formas (o moscatel e a leitura é uma boa ideia pai, mas só as fins de semana, que durante a semana há que contribuir para o PIB). Pelo menos não terei problemas em arranjar "aquela" pedrinha de gelo para meter no Favaios :) Obrigado pelas mensagens.
(É sempre agradavel ver-te por aqui Nico...tenho que decididamente fazer um "tour" por Boston, já lá vão mts anos :))

Nico disse...

Tiago, aproveita para tirar esse tour de Boston quando quiseres, seras bem vindo, o teu grande amigo, Nico.